quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

100 Melhores Filmes - Roger Ebert

100 Melhores Filmes - Roger Ebert (ordem alfabética)


• 2001: Uma Odisséia no Espaço – 2001: A Space Odyssey
• À Beira do Abismo – The Big Sleep
• Aguirre, a Cólera dos Deuses – Aguirre, The Wrath of God
• O Anjo Exterminador – El Angel Exterminador
• O Ano Passado em Marienbad – L’Année Dernière à Marienbad
• Apocalipse Now – Apocalypse Now
• Asas do Desejo – Wings of Desire
• O Atalante – L’Atalante
• A Aventura – L’Aventura
• Basquete Blues – Hoop Dreams
• A Bela da Tarde – Belle de Jour
• A Bela e a Fera – La Belle Et La Bette
• Blow-up – Depois Daquele Beijo
• Bonnie & Clyde – Uma Rajada de Balas
• A Caixa de Pandora – Pandora’s Box
• Cantando na Chuva – Singin’in the Rain
• Um Cão Andaluz – Um Chien Andalou
• Casablanca – Casablanca
• Chinatown – Chinatown
• Cidadão Kane – Citizen Kane
• Cinzas no Paraíso – Days of Heaven
• Corpos Ardentes – Body Heat
• Um Corpo que Cai – Vertigo
• Crepúsculo dos Deuses – Sunset Boulevard
• Curva do Destino – Detour
• O Decálogo – The Decalogue
• Diabo a Quarto – Duck Soup
• A Doce Vida – La Dolce Vita
• Os Documentários “UP” – The “Up” Documentaries
• Doutor Fantástico – Dr.Strangelove
• Drácula – Dracula
• A Embriaguez do Sucesso – Sweet Smell of Sucess
• Encouraçado Potemkin – Bronenosets Potyamkin
• Ervas Flutuantes – Ukigusa
• E.T. – O Extraterrrestre E.T.
• Faça a Coisa Certa – Do The Right Thing
• Fargo – Uma Comédia de Erros- Fargo
• A Felicidade não se Compra – It’s a Wonderful Life
• As Férias do Sr. Hulot – Les Vacances de Mr.Hulot
• A General – The General
• A Grande Ilusão – La Grand Illusion
• Guerra nas Estrelas – Star Wars
• Os Incompreendidos – Les 400 Coups
• Interlúdio – Notorious
• JFK – A Pergunta que não quer Calar JFK
• Ladrão de Alcova – Trouble in Paradise
• Ladrão de Bicicletas – Ladri di Biciclette
• Lawrence da Arábia – Lawrence da Arábia
• Lírio Partido – Broken Blossoms
• A Lista de Schindler – Schindler’s List
• Luzes da Cidade – City Lights
• M – O Vampiro de Dusseldorf M
• O Mágico de Oz – The Wizard of Oz
• A Malvada – All About Eve
• Manhattan – Manhattan
• O Martírio de Joana D’Arc – La Passion de Jeanne D’arc
• O Medo Devora a Alma – Angst Essen Seele Auf
• O Mensageiro do Diabo – The Night of The Hunter
• Metrópolis – Metropolis
• Meu Ódio Será sua Herança – The Wild Bunch
• Uma Mulher Sob Influência – A Woman Under the Influence
• A Mulher de Areia – Suna no Onna
• Nashiville – Nashiville
• A Noiva de Frankenstein – Bride of Franskenstein
• Nosferatu – Nosferatu
• Oito e Meio – 8 ½
• Ouro e Maldição – Greed
• Pacto de Sangue – Double Indemnity
• Paixão dos Fortes – My Darling Clementine
• Palavras ao Vento – Written on the Wind
• Pickpocket – Pickpocket
• Pinóquio – Pinocchio
• O Poderoso Chefão – The Godfather
• Portais do Céu – Gates of Heaven
• Psicose – Psycho
• Pulp Fiction – Tempo de Violência
• Quando Duas Mulheres Pecam – Persona
• Quando os Homens são Homens – McCabe & Mrs. Miller
• Quanto Mais Quente Melhor – Some Like It Hot
• Rede de Intrigas – Network
• Os Reis do iê-iê-iê – A Hard Day’s Night
• Relíquia Macabra – The Maltese Falcon
• Rio Vermelho – Red River
• Ritmo Louco – Swing time
• O Samurai – Le Samourai
• Se Meu Apartamento Falasse – The apartament
• Os setes Samurais – The Seven Samurai
• O Sétimo Selo – The Seventh Seal
• O Silêncio dos Inocentes – The Silence of the Lambs
• Sindicato de Ladrões – On the Waterfront
• Um Sonho de Liberdade – The Shawshank Redemptio
• Taxi Driver – Taxi driver
• O Terceiro Homem – The Third Man
• A Tortura do Medo – Peeping Tom
• Touro Indomável – Raging Bull
• As Três Noites de Eva – The Lady Eve
• A Trilogia de Apu – The Apu Trilogy
• E o Vento Levou – Gone with the Wind
• Viver – Ikiru
• Viver a Vida – Vivre sa Vie

100 MELHORES DO CINEMA - Guia Zahar - Ronald Bernan

Lista dos 100 MELHORES DO CINEMA do livro Guia ilustrado Zahar Cinema, Ronald Bernan, Jorge Zahar Ed. (a lista está em ordem cronológica)



• O Nascimento de Uma Nação – D.W.Griffith-1915
• O Gabinete do Dr.Caligari – Robert Wiene-1919
• Nosferatu, o vampiro – F.W. Murnau-1921
• Nanook, o esquimó – Robert Flaherty-1922
• O encouraçado Potemkin – Sergei Eisenstein-1925
• Metrópolis – Fritz Lang-1926
• Napoleão – Abel Gance-1927
• Um cão andaluz – Luis Bunuel-1928
• O martírio de Joana d’Arc – Carl Dreyer-1928
• Sem novidade no front – Lewis Milestone-1930
• O anjo azul – Josef Von Stemberg-1930
• Luzes da cidade – Charlie Chaplin-1931
• Rua 42 – Lloyd Bacon-1933
• O diabo a quatro – Leo McCarey-1933
• King Kong – Merian Cooper/Ernest Schoedsack-1933
• O atalante – Jean Vigo-1934
• Branca de Neve e os sete anões – Walt Disney-1937
• Olímpia – Leni Riefenstahl-1938
• A regra do jogo – Jean Renoir-1939
• …E o vento levou – Victor Fleming-1939
• Núpcias de escândalo – George Cukor-1940
• As vinhas da ira – John Ford-1940
• Cidadão Kane – Orson Welles-1941
• Relíquia macabra – John Huston-1941
• Pérfida – Willian Wyler-1941
• Ser ou não ser – Ernst Lubitsch-1942
• Nosso barco, nossa alma – Noel Coward-1942
• Casablanca – Michael Curtiz-1942
• Obsessão – Luchino Visconti-1942
• O Boulevard do crime – Marcel Carné-1945
• Neste mundo e no outro – Michael Powell, Emeric Pressburger-1946
• A felicidade não se compra – Frank Capra-1946
• Ladrões de bicicleta – Vittorio de Sica-1948
• Carta de uma desconhecida – Max Ophuls-1948
• Um país de anedota – Henry Cornelius-1949
• O terceiro homem – Carol Reed-1949
• Orfeu – Jean Cocteau-1950
• Rashomon – Akira Kurosawa-1950
• Cantando na chuva – Gene Kelly, Stanley Donen-1952
• Era uma vez em Tóquio – Yasujiro Ozu-1953
• Sindicato de ladrões – Elia Kazan-1954
• Tudo o que o céu permite – Douglas Sirk-1955
• Juventude transviada – Nicholas Ray-1955
• A canção da estrada – Satyajit Ray-1955
• O mensageiro do diabo – Charles Laughton-1955
• O sétimo selo – Ingmar Bergman-1957
• Um corpo que cai – Alfred Hitchcock-1958
• Cinzas e diamantes – Andrzej Wajda-1958
• Os incompreendidos – François Truffaut-1959
• Quanto mais quente melhor – Billy Wilder-1959
• Acossado – Jean-Luc Godard-1960
• A doce vida – Federico Fellini-1960
• Tudo começou no sábado – Karel Reisz-1960
• A aventura – Michelangelo Antonioni-1960
• O ano passado em Marienbad – Alain Resnais-1961
• Lawrence da Arábia – David Lean-1962
• Dr. Fantástico – Stanley Kubrick-1964
• A batalha de Argel – Gillo Pontecorvo-1966
• A noviça rebelde – Robert Wise-1965
• Andrei Rublev – Andrei Tarkovsky-1966
• The Chelsea Girls – Andy Warhol-1966
• Bonnie e Clyde – Uma rajada de balas – Arthur Penn-1967
• Meu ódio será sua herança – Sam Peckinpan-1969
• Sem destino – Dennis Hopper-1969
• O conformista – Bernardo Bertolucci-1969
• O poderoso chefão – Francis Ford Coppola-1972
• Aguirre, a cólera dos deuses – Werner Herzog-1972
• Nashville – Robert Altman-1975
• O império dos sentidos – Nagisa Oshima-1976
• Taxi Driver – Motorista de Táxi – Martin Scorsese-1976
• Noivo neurótico, noiva nervosa – Woody Alen-1977
• Star Wars – George Lucas-1977
• O casamento de Maria Braun – Rainer Werner-1978
• O franco-atirador – Michael Cimino-1978
• ET, o extraterrestre – Steven Spielberg-1982
• Blade Runner, o caçador de asteróides – Ridley Scott-1982
• Paris, Texas – Wim Wenders-1984
• Heimat – Edgar Reitz-1984,1992,2005
• Vê e veja – Elem Klimov-1985
• Veludo azul – David Lynch-1986
• Shoah – Claude Lanzmann-1985
• Uma janela para o amor – James Ivory-1985
• Mulheres á beira de um ataque de nervos – Pedro Almodovar-1988
• Cinema Paradiso – Giuseppe Tornatore-1989
• Faça a coisa certa – Spike Lee-1989
• Lanternas vermelhas – Zhang Yimou-1991
• Os imperdoáveis – Clint Eastwood-1992
• Cães de aluguel – Quentin Tarantino-1992
• Trois couleurs – Kryztof Kieslowski-1993,1994
• Através das oliveiras – Abbas Kiarostami-1994
• Quatro casamentos e um funeral – Mike Newell-1994
• Toy Story – John Lasseter-1995
• Fargo – Uma comédia de erros – Joel Coen-1996
• O tigre e o dragão – Ang Lee-2000
• Amor a flor da pele – Wong Kar Wai-2000
• Traffic – Steven Soderbergh-2000
• O senhor dos anéis – Peter Jackson-2001,2002,2003
• Cidade de Deus – Fernando Meirelles-2002
• Brilho eterno de uma mente sem lembranças – Michel Gondry-2004

100 Melhores Filmes - Revista Bravo

100 Melhores Filmes - Revista Bravo!


01. Cidadão Kane (1941), de Orson Welles
02. O Poderoso Chefão (1972), de Francis Ford Coppola
03. Sindicato de Ladrões (1954), de Elia Kazan
04. Um Corpo de Cai (1958), Alfred Hitchcock
05. Casablanca (1942), de Michael Curtiz
06. Oito e Meio (1963), de Federico Fellini
07. Lawrence da Arábia (1965), de David Lean
08. A Regra do Jogo (1939), de Jean Renoir
09. O Encouraçado Potemkin (1925), de Sergei Eisenstein
10. Rastros de Ódio (1956), de John Ford
11. Cantando na Chuva (1956), de Gene Kelly e Stanley Donen
12. Crepúsculo dos Deuses (1950), de Billy Wilder
13. Persona (1966), de Ingmar Bergman
14. O Mensageiro do Diabo (1955), de Charles Laughton
15. 2001 – Uma Odisséia no Espaço (1968), de Stanley Kubrick
16. Os Sete Samurais (1954), de Akira Kurosawa
17. O Leopardo (1963), de Luchino Visconti
18. Taxi Driver (1976), de Martin Scorsese
19. Era uma Vez em Tóquio (1953), de Yasujiro Ozu
20. Fitzcarraldo (1982), de Werner Herzog
21. Acossado (1959), de Jean-Luc Godard
22. Jules e Jim (1962), de François Truffaut
23. O Conformista (1970), de Bernardo Bertolucci
24. Em Busca do Ouro (1925), de Charles Chaplin
25. Metrópolis (1926), de Fritz Lang
26. O Sétimo Selo (1956), de Ingmar Bergman
27. A Aventura (1960), de Michelangelo Antonioni
28. Amarcord (1973), de Federico Fellini
29. Viridiana (1961), de Luis Buñuel
30. Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977), de Woody Allen
31. O Nascimento de uma Nação (1915), de D. W. Griffith
32. Apocalypse Now (1979), de Francis Ford Coppola
33. Era uma Vez no Oeste (1968), de Sérgio Leone
34. Assim Caminha a Humanidade (1956), de George Stevens
35. Psicose (1960), de Alfred Hitchcock
36. O Martírio de Joana D’Arc (1928)
37. Touro Indomável (1980), de Martin Scorsese
38. Olympia (1938), de Leni Riefenstahl
39. O Falcão Maltês (1941), de John Huston
40. Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha
41. Dr. Fantástico (1964), de Stanley Kubrick
42. Roma, Cidade Aberta (1945), de Roberto Rossellini
43. A Doce Vida (1960), de Federico Fellini
44. Chinatown (1974), de Roman Polanski
45. A Felicidade Não se Compra (1946), de Frank Capra
46. ...E o Vento Levou (1939), de Victor Fleming
47. Tempos Modernos (1936), de Charles Chaplin
48. A Um Passo da Eternidade (1953), de Fred Zinnermann
49. O Sacrifício (1986), de Andrei Tartovski
50. Laranja Mecânica (1971), de Stanley Kubrick
51. A General (1927), de Buster Keaton
52. O Homem Elefante (1980), de David Lynch
53. O Mágico de Oz (1939), de Victor Fleming
54. Querelle (1982), de Rainer Werner Fassbinder
55. A Primeira Noite de um Homem (1967), de Mike Nichols
56. Morte em Veneza (1971), de Luchino Visconti
57. A Última Sessão de Cinema (1971), de Peter Bogdanovich
58. Os Bons Companheiros (1990), de Martin Scorsese
59. Blade Runner – O Caçador de Andróides (1982), de Ridley Scott
60. A Malvada (1950), de Joseph L. Mankiewicz
61. Nosferatu (1922), de Friedrich W. Murnau
62. O Último Tango em Paris (1972), de Bernardo Bertolucci
63. Ladrões de Bicicleta (1948), de Vittorio de Sica
64. Asas do Desejo (1987), de Wim Wenders
65. Pulp Fiction – Tempo de Violência (1994), de Quentin Tarantino
66. Repulsa ao Sexo (1965), de Roman Polanski
67. Crimes e Pecados (1989), de Woody Allen
68. Uma Rua Chamada Pecado (1951), de Elia Kazan
69. Butch Cassidy e Sundance Kid (1969), de George Roy Hill
70. Os Imperdoáveis (1992), de Clint Eastwood
71. Patton – Rebelde ou Herói? (1969), de Franklin J. Schaffner
72. Tudo Sobre Minha Mãe (1999), de Pedro Almodóvar
73. Um Lugar ao Sol (1951), de George Stevens
74. Um Estranho no Ninho (1975), de Milos Forman
75. Amor à Flor da Pele (2000), de Wong Kar-Wai
76. Hiroshima, Meu Amor (1959), de Alain Resnais
77. Kaos (1984), de Irmaõs Taviani
78. Brazil, O Filme (1985), de Terry Gilliam
79. Quanto Mais Quente Melhor (1956), de Billy Wilder
80. Cidade de Deus (2002), de Fernando Meirelles
81. Os Homens Preferem as Loiras (1953), de Howard Hanks
82. Um Cão Andaluz (1928), Luis Buñuel
83. Los Angeles – Cidade Proibida (1997), de Curtis Hanson
84. Pixote – A Lei do Mais Fraco (1981), de Hector Babenco
85. Ben-Hur (1959), de William Wyler
86. Fantasia (1940), de Walt Disney
87. Sem Destino (1969), de Dennis Hopper e Peter Fonda
88. Dogville (2003), de Lars Von Trier
89. O Império dos Sentidos (1976), de Nagisa Oshima
90. Um Convidado Bem Trapalhão (1968), de Blake Edwards
91. A Lista de Schindler (1993), de Steven Spielberg
92. Guerra nas Estrelas (1977), de George Lucas
93. O Pântano (2000), de Lucrecia Martel
94. Cabaré (1972), de Bob Fosse
95. Operação França (1971), de William Friedkin
96. King Kong (1933), de Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack
97. As Invasões Bárbaras (2003), de Denys Arcand
98. Fargo (1996), de Joel e Ethan Cohen
99. M.A.S.H. (1970), de Robert Altman
100. Lavoura Arcaica (2001), de Luiz Fernando Carvalho

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Os Pássaros de Kafka - parte 1


Os pássaros de Kafka


I – O sentido da liberdade


Uma gaiola saiu à procura de um pássaro.

Franz Kafka, Aforismos


A frase propõe uma imagem inusitada. Não é próprio da natureza das gaiolas se moverem, são objetos inanimados, e, menos ainda, saírem a procurar justamente o que vão oprimir. Mas, é claro que em Kafka, isto explica pouco. Alguns de seus objetos têm uma tendência a se comportar de maneira mais viva, assim como seus animais também podem expressar características humanas. Neste caso, porém, a postura da gaiola nos incomoda profundamente. De certo modo, se os pássaros inicialmente apontam para a liberdade, uma vez que podem voar, as gaiolas representam as estruturas fixas que prendem, que cerceiam, que impedem voos maiores. No entanto, na frase, tudo se dá como se as gaiolas, que normalmente são imóveis, pudessem empreender efetivamente deslocamentos. E contrariando uma inércia essencial, esta estranha gaiola, um arcabouço de aprisionamento, parece sair atrás de seu próprio prisioneiro.

Esta absurda caçada, no entanto, é ainda mais intrigante do que inicialmente se supõe. Não se trata de procurar o pássaro, como se na lógica desta busca insólita, pelo menos esse animal fosse culpado por alguma espécie de desvio. Tudo leva a crer que a gaiola saiu para prender um pássaro qualquer. Como se o que importasse fosse cumprir com sua função de prisão, mesmo que para isso precise encontrar um pássaro aleatório, que não tenha feito nada demais – exceto, talvez, voar. A estrutura de dominação precisa obrigatoriamente funcionar, neste caso, pouco importando a existência de alguma espécie de motivação ou justificação. Talvez por isso também seja possível identificar algo de burocrático na frase. Na imagem que elaboramos ao tentar representar o sentido do aforismo, a gaiola parece ser mais importante que o pássaro. Uma estrutura pronta que lhe é superior, e que acaba por operar uma lógica altamente complexa ao alçar voo, apesar de aparentar sair à procura de um pássaro distraidamente.

Nesta imagem desconcertante, a essência da natureza dos pássaros, que é a liberdade de poder voar, fica até diminuída frente à possibilidade de voo da gaiola e o que isso significa. Pois, o estranho e o que perturba prontamente na frase não é, na verdade, a imagem de um pássaro encerrado dentro das grades de uma gaiola – imagem que, infelizmente, estamos acostumados –, mas a ideia de que essa estrutura de aprisionamento possa se mover e opere uma perseguição gratuita a um ser que se encontre livre. Isto aponta para algo extremamente opressor nesta história que é contada em uma única linha, e que de certa forma, acaba por nos levar a perguntar: não é assim mesmo que funcionam as nossas estruturas de dominação? Talvez o que incomode mesmo no aforismo seja menos a sua violência, apesar dela ser absolutamente devastadora, mas a certeza de que, de algum modo, a frase está colada irremediavelmente ao real. É claro que se trata de uma situação bizarra, como qualquer um pode notar, e é justamente por isso que parece ser plenamente possível que aconteça.

Em um caso como esse, ao contrário do que se poderia imaginar, toda a impostura parece vir, na verdade, dos pássaros. Existe um atrevimento em se propor a alçar voo. Bem pode ser que uma gaiola, inexoravelmente, já estivesse destinada a algum deles por princípio – quem garante que voar, em si mesmo, já não constitui alguma espécie de culpa? Mas, quanto a isso, é óbvio que não podemos ter certeza. Kafka jamais seria claro a respeito disso. A única coisa que parece ser correta é que não são os pássaros que tornam necessárias as gaiolas para aprisioná-los, mas o contrário, a existência das gaiolas é que viabiliza uma potencial liberdade aos pássaros. Reverso de mundo, em Kafka, a opressão é anterior à liberdade.


II – O céu-deserto


As gralhas afirmam que uma só poderia destruir o céu. Não há dúvida quanto a isso, mas não prova nada contra o céu, pois os céus significam justamente: impossibilidade de gralhas.

Franz Kafka, Aforismos


            A sequência das frases é precisa e resolve todo o problema da liberdade em apenas duas afirmações. Metáfora de nós mesmos, as gralhas de Kafka simbolizam nossas pretensões e limitações neste aforismo singular que opera uma lógica que a princípio parece contraditória, mas que no fundo, é verosímil apesar de ser perversa. Na primeira frase, temos a impressão de que as gralhas têm uma liberdade plena. Desafiam o ambiente em que podem empreender o voo. Uma forma de ser livre absoluta, maior que o próprio céu, pois decorre de um princípio de natureza primordial. Mas, claro que isso é meramente o discurso das próprias gralhas, o nosso discurso. Animais que, pelo que podemos perceber ao ler a primeira frase do aforismo, estão corretos em sua afirmação pretensiosa - destruir o céu. O que não significa efetivamente a concretização do próprio voo. Porém, é na segunda frase que o aforismo se resolve. Sem maiores avisos, essa frase contraria prontamente a lógica da frase anterior e finaliza a questão quase que com uma sentença de caráter moral: os céus significam justamente: impossibilidade de gralhas.

Curiosa maneira de nos fornecer imagens. Em um primeiro momento, após a leitura da primeira frase, enchemos o céu de pássaros. A imagem de uma única gralha, inclusive, a voar livremente pelo céu, nos autoriza a pensar em um mundo em que a liberdade é plena. Porém, a segunda frase, por meio de uma conclusão lapidar, nos desorienta. A sentença faz mais que meramente dizer que as gralhas não podem voar livremente. É uma afirmação que estabelece o próprio sentido dos céus. Proclama que o significado dos céus é a impossibilidade das gralhas. A imagem que a segunda frase nos fornece é desanimadora. Após encher o céu de pássaros e posteriormente reduzir para um único animal dessa espécie, o movimento que nossa imaginação realizou após a leitura da primeira frase do aforismo, somos obrigados a imaginar um céu vazio, destituído de pássaros, um céu sem vida. Afinal, ao que tudo indica, a frase não apenas inviabiliza a liberdade de voar das gralhas, mas nos informa que as gralhas, em si mesmas, são plenamente impossíveis por causa dos céus. Subtrai-se, portanto, não apenas a liberdade, mas a própria existência. E esse é o verdadeiro significado do céu, o motivo para qual existe, sua função conforme nos é informado – o céu é um deserto.

Mas, claro que, apesar disso, o céu está logo ali, neste aforismo. Existe potencialmente como algo para vislumbrarmos. Kafka, certa vez, ao ser questionado se não havia esperança no mundo, assim respondeu: “Sim, há muita esperança. Mas não para nós.” Assim, o real sentido do céu é algo mais opressor do que as gralhas podem supor, o oposto do que acreditamos. Sua imagem não pode mais representar a liberdade, mas sim, ao contrário, ela é a tradução da mais completa impossibilidade de existir e ser livre. Em Kafka, o céu não tem horizonte.