terça-feira, 20 de junho de 2017

A urbe poética de Régis Bonvicino – notas sobre "Beyond the wall"


é um artista se entregando para a polícia
“Arte” de Régis Bonvicino

Quem se dispõe a percorrer a nova coletânea de poemas de Régis Bonvicino, Beyond the wall (Além do muro) recém publicada pela editora Green Integer nos EUA, deve estar preparado para enfrentar uma complexa trama em que o estatuto da arte, a vida na cidade e a política em ponto de bala se entrelaçam de uma maneira absolutamente inextricável, de modo que é praticamente impossível uma dissociação dos elementos dessa poética – existe algo de irredutível na obra que impede os esquemas mais tradicionais de interpretação de livros de poesias. Não é o caso, então, de tentar localizar quais são os poemas de uma ordem metalinguística mais evidente ou os que apresentam imagens da cidade ou mesmo os que discutem relações de poder. As poesias de Beyond the wall operam nas bordas, nos limites em que um tema já se transforma em outro, mas ainda não deixa de ser o que era.

Existe uma verdadeira topografia poética, um modo pelo qual os poemas foram estrategicamente colocados em sua sequência, que causa a perfeita percepção de que o livro tem um espaço próprio de acontecimento: a cidade.

O terreno em que as poesias são colocadas é o espaço urbano. Só que a cidade de Régis Bonvicino não é composta de prédios, janelas, casas e lojas. O lugar de que fala e de onde fala o poeta é feito de mendigos, ratos, garrafas, urina e cigarros. Não é uma cidade específica, tampouco. Pode ser Le monde, Bank of China, Chascona, Passeig de Gràcia, New York ou Bom Retiro. De qualquer modo: é uma poética urbana.  

Se as metrópoles são o espaço da desigualdade evidente, Régis constrói suas imagens-sons de uma maneira particular. Uma técnica de construção de linguagem por contradição, talvez mesmo, por atrito. Não há nada de um lirismo coerente, de uma poesia sem arestas. De vez em quando, falta uma rima, outras vezes, um paralelismo é subtraído, uma ideia não se completa, uma imagem é sequestrada. De caso pensado, Régis Bonvicino faz poesia com ângulos, dobras, conflitos, inversões e paradoxos.

O poeta escreve com cálculo: está tudo resolvido no espaço da página. Porém, algo sempre sobra e parece escapar da prisão do texto e golpear os sentidos do leitor. A “urina” realmente fede, o “mendigo” implacavelmente incomoda e, quase imperceptivelmente olhamos para os cantos da sala a procura dos “ratos”. Um modo de fazer poesia que contamina as palavras e é contaminado por elas. O cálculo poético parece nos surpreender vez ou outra e somos pegos a levantar a cabeça, deixar o texto, e parar para pensar o que está acontecendo. Nessas vezes, invariavelmente, quando voltamos ao texto, relemos alguma passagem anterior, folheamos o livro e retornamos a alguma poesia que, de repente, merece melhor apreciação. Não se trata de um livro de poemas para ler do começo ao fim sem interrupções.

Essas interrupções são verdadeiros engasgos, nos pegam de surpresa e provocam uma sensação estranha – às vezes colocamos até um sorriso na boca, tudo aparenta correr bem na leitura, mas, logo adiante, percebemos a verdade que essa poética provoca: o sorriso se transforma em riso nervoso. Trata-se de um tipo de poesia que é necessária, poesia-incomodo, bem diferente dos esquemas fáceis das poesias da moda. Pode-se dizer, inclusive, que nos seus ângulos, sinuosidades e esquivas é um livro que respeita plenamente o leitor. Mas, que assim o faz somente na exata medida em que exige mais da leitura.

Analisemos duas poesias da coletânea: a primeira e a última – para fazer uma moldura do que pode ser encontrado entre esses dois muros.

Com o título de “Arte”, a poesia de abertura não poderia ser mais irônica. Como falar da arte nos tempos atuais em que a barbárie cultural impera de maneira triunfante? Como fazer arte em tempos de mass media? A provocação que o título da poesia de abertura do livro faz é absolutamente pertinente. Mas, o poeta escreve ao longo da poesia, em uma sucessão de imagens, exatamente aquilo que não se poderia esperar da arte. Como se ela tivesse perdido o sentido nos tempos atuais. É assim que constrói os versos: [arte] “é o mendigo que, mão aberta,/não pede esmola”. A contradição é evidente e perturba não apenas a leitura que procura coerências, mas a própria estrutura da linguagem que se propõe. A certo momento desse primeiro poema chega até mesmo a propor: [arte] “é um relógio sobre uma lápide”. Nada mais contundente do que declarar a morte da arte e, apesar disso, via imagem certeira, reafirmar a arte, mesmo que às avessas.

Na última poesia da coletânea, “Abstract (2)”, podemos ler um verso que quase inviabiliza o título do livro: “Visitors: no trespassing”. Assim colocada a impossibilidade de ultrapassar os muros, a norma é clara e estabelece um dentro e um fora, fica o conflito com o título da coisa toda: Beyond the wall (Além do muro). E não é à toa que o último verso, meio político, esquema de fim de obra, (“Em Manhattan, só o rato é democrático”), esbanja o urbano e é cortado de modo preciso.

Alguns leitores bem poderiam pensar que o caráter urbano do verso esteja na palavra “Manhattan”. Que a política esteja no termo “democrático”. Nada mais longe da poética de Régis. É o “rato”. O “rato” é que nos remete à metrópole e à política. Esse rato que aparece diversas vezes entre os dois muros da moldura que estabelecemos para o livro. O rato que perambula pelos mendigos, por sobre cigarros amassados, que cheira o odor da urina e que consegue, por astúcia da espécie, ultrapassar os muros de concreto que cerceiam a liberdade própria do fazer poético.  

   

Obs: Esse artigo foi publicado na Revista Sibila - Revista de Poesia e Crítica Literária.        

segunda-feira, 29 de maio de 2017

Golconda, 1953 (Magritte) ou Chuva de Mim Mesmo




I

         Um dia desses, essa quase interminável chuva de mim mesmo, essa intempérie inesperada promete acabar e poderei verdadeiramente flutuar de forma livre ainda que fragmentado em gotas de mim – serei composto de partículas bojudas que não cairão mais das alturas, mas ficarão suspensas como balões estáticos. Inertes. Simplesmente pairando em pleno ar.
         Nessa ocasião, me tornarei mais próximo daquela promessa que fiz a mim mesmo – o homem que eu queria ser antes da chuva começar. Não poderei voar, essa é uma das minhas mais tristes certezas, mas, pode ser que seja um pouco mais feliz. Pelo menos não precisarei me preocupar em derramar mais tanto de mim.

II

         Somadas as características essenciais, todas as variações, são poucas as diferenças entre as possibilidades.
         Em 71 casos, pode-se ser original. Em 50, a divisibilidade é por 2, 5, 10, 25 e 50 (ser divisível por 2 é um dos principais defeitos da imagem).
         Segundo o cálculo de alguns, é possível que se caia dos céus 121 vezes. Mas, ascender às alturas somente se dá em 23 casos.
         De qualquer modo, o sobretudo e o chapéu sempre ajudam: é evidente que, mais uma vez, se esquece o guarda-chuva em casa.

III

         Pode bem ser que a tela capture um momento, apenas um instante, de um movimento constante. Do céu para o chão, pingam homens vestidos de sobretudo e chapéu escuros; ou, do chão para o céu, ascendem homens a desafiar a gravidade.
         Se assim for, de qualquer modo, nada nos indica a velocidade do movimento, e fazer o quadro ganhar vida em nossa imaginação não garante, necessariamente, uma compreensão maior sobre sua estrutura.
         Ao olhar a imagem de longe, os inúmeros homens que compõem a tela parecem ser apenas borrões. Gotas negras a manchar o céu e os pequenos prédios de apartamentos: ocasiões do negro em um céu azul sem nuvens, em um telhado avermelhado sem telhas e em paredes de prédios cinza-claros sem portas visíveis.
         O escuro se repete, inclusive, como mancha do próprio borrão, pois, se observarmos atentamente, os homens vestidos de negro provocam sombras nos prédios que denunciam a presença do sol.
         De fato, é curioso que ninguém se atreva a abrir as janelas e que mesmo as cortinas fiquem quase completamente cerradas. Não há, aparentemente, um lado de dentro dos prédios que possa ser verificável. A lógica da imagem é completamente externa aos prédios, com os enigmáticos homens a borrar os outros elementos.
         Meramente suspensos, caindo dos céus, ou ascendendo às alturas, os homens parecem ser repetições de um mesmo personagem. Multiplicado infinitamente – tudo nos leva a crer que é impossível contar quantas variações do mesmo homem aparecem no quadro – o personagem parece não passar por nenhuma transformação em nenhuma de suas aparições, se bem que, dependendo da ocasião, apareça sob ângulos diferentes.
         Apesar de não ter, aparentemente, nada em comum com a maioria dos observadores da imagem, ele provoca identificação. Há algo nele que nos remete a nós mesmos. Não é o chapéu, nem mesmo o sobretudo, o que leva a essa sensação. É a repetição infinita que nos induz a essa tendência. Apesar de ser uma afirmação arriscada, que quase não se propõe, há algo de espelho nessa infinidade de figuras absolutamente idênticas. Mas, isso não quer dizer que esse personagem provoque os mesmos significados para cada um dos observadores da imagem.
         Os homens mais imaginativos pensam que esse homem está suspenso no ar, flutuando como uma bolha de sabão, e que bem que gostariam de experimentar essa sensação de leveza absoluta.
         Os religiosos imaginam que estão subindo da terra aos céus. Veem nessa possibilidade alguma espécie de revelação mística e ficam contentes com a imagem toda, convencidos de que encontrarão a salvação.
         Os homens que têm demônios internos mais frequentes somente conseguem imaginar a si mesmo caindo das alturas e se sentem incomodados com a ideia de que se espatifarão completamente pelos chãos.
         E existe também aqueles observadores que ao olhar para a imagem não conseguem enxergar outra coisa a não ser a possibilidade de voar. São os homens de imaginação mais solta, que encontram na arte sempre alguma possibilidade de libertação.

         No que me diz respeito, só uma coisa me incomoda de verdade. Nessa infinita multiplicação de mim mesmo, em todos os casos, eu continuo sendo eu mesmo. 

domingo, 30 de abril de 2017

Canção de Amor, 1914 (de Chirico) ou Gesto com Luva Vermelha (variação nº 2)




      Talvez se o busto de Apolo estivesse completo, com ombros e tudo, a luva cirúrgica não precisaria ficar pregada na arquitetura de uma construção geométrica. Não seria, obviamente, possível colocar a luva na escultura, afinal, bustos não têm mãos, mas pode ser que a luva vermelha ficasse solta nos ombros invisíveis de Apolo.
         A luva de borracha nos incomoda, sobretudo por ser vermelha, acostumados que estamos com uma higiene que embranquece o vestuário. Mas, ela não é o único objeto de borracha. A bola também aparenta ser feita desse material e, ali, inerte, nos induz a pensar em movimentos maiores.
       De certo modo, a bola de jogar parece caber perfeitamente na luva, como se pudéssemos segurar o brinquedo com apenas uma das mãos. Este senso de proporção acompanha o tamanho do busto. Seria possível, inclusive, usar a luva para dar um estalo na face insensível de Apolo, forçando esse Deus a demonstrar sentimentos humanos. Aquele que leva um estalo na face sempre demonstra alguma espécie de sentimento humano.
         Evidentemente, a construção geométrica que está em segundo plano do quadro é demasiado pequena, se compararmos com o tamanho dos demais objetos. Mas, sem dúvida, é o único elemento da composição que está verdadeiramente do tamanho real.
         O modo como a luva de borracha vermelha está pregada à construção é algo que incomoda. Por certo, um prego de aço é exagerado para segurar o peso de uma mera luva vermelha. É exagerado porque ela é vermelha, não por causa de seu peso.  
       A bola de jogar dá a impressão de que é preciso fazer alguma coisa com ela. Porém, é perfeitamente descartável. E se fosse preciso pintar o quadro mais uma vez, de modo absolutamente fiel à primeira versão, uma cópia completamente exata, uma segunda tela somente seria a representação adequada da original se jogássemos a bola fora.
Isso é verdade.
Não é, no entanto, por ser de borracha, nem por ser verde, que a bola é descartável. É porque ela tem um segredo, na sua inutilidade dentro da composição, que transborda o sentido da pintura como um todo.
         Se a bola de jogar fosse parar em outro quadro, uma representação exclusiva da bola de jogar, uma representação verde, como não poderia ser diferente, uma vez que é uma bola de jogar, teríamos um quadro que incomodaria mais que esta Canção de Amor. Isto porque a bola tem um segredo, na sua inutilidade dentro da nova composição, que transborda o sentido da pintura como um todo. O problema é que a pintura como um todo seria somente a representação da bola de jogar verde. Este é o segredo: a bola de jogar é verde.        
         Existe música na pintura. Trata-se, sem dúvida, de uma canção de amor. Não é o estalo na face do busto de Apolo (inadvertidamente, esta ideia é tentadora) o que pode produzir a sonoridade, provocando este Deus a se manifestar. Há algo de divertido em estapear os deuses. É o trem que passa que produz toda a musicalidade. É uma música por demais urbana, pois representa os amores na solidão das metrópoles. O ritmo da passagem do trem, um som contínuo e sedutor – uma marcha – essa é a melodia da canção. Mas, é preciso estar atento para o fato de que no exato momento em que vemos o trem ao fundo do quadro, no instante preciso em que sua presença se faz sentir, quando percebemos que a pintura estaria incompleta sem a sua representação, ouvimos, nitidamente e sem maiores avisos o seu apito.
         Este apito, singularmente curto, corresponde ao refrão da canção. 
      Algo preocupa muito na lógica da compreensão do quadro. É certamente uma questão essencial e, pode-se dizer que, após o som do apito, naquele momento em que percebemos o trem, acaba por nos intrigar profundamente pois diz respeito à direção que devemos tomar nas questões amorosas. Pode ser que seja, inclusive, o mais importante da composição: não dá para saber ao certo se o trem, ao fundo da tela, produzindo fumaça, seguirá para a esquerda ou para a direita.  

domingo, 26 de março de 2017

A Reza, 1930 (Man Ray) ou Como Contar os Dedos do Pé com o Próprio Cu




  
         Entre o claro e o escuro há um pouco de corpo. No escuro, nada podemos ver; no claro, vemos demais.
O erotismo é uma arte traiçoeira. Pode parecer, à primeira vista, que consiste em mostrar sem revelar a imagem por completo, mas, na verdade, consiste em um jogo de esconder. É o que se oculta que provoca o desejo, não o que se mostra visível.
Esta fotografia, no entanto, é erótica às avessas.
O corpo se contorce e dobrando-se sobre si mesmo dá a impressão de uma posição que, se não for impossível, é certamente improvável. Toda a obscenidade da imagem não está no que não vemos. De maneira desconcertante, é exatamente o que encobre os orifícios deste corpo o que faz a imaginação flutuar. O inusitado é que, neste caso singular, o que se vê claramente é que remete ao erótico.
Pois, há algo de excessivo em todos aqueles dedos.
Os orifícios cujas imagens nos são negadas, que poderiam apontar para o apelo sexual do instantâneo, não são, a bem da verdade, o que importa na representação. São os dedos, escancaradamente nítidos, que provocam o pensamento a tomar certas formas mais sensuais.
Os glúteos, são excessivamente redondos. Também são demasiadamente brancos. Lembram uma maçã que perdeu a cor. E na composição da totalidade da imagem, junto aos dedos que estão em escala de cinza, correspondem a uma corporalidade quase que meramente sugerida. Mas, a imagem está perceptivelmente completa, mesmo que tenha algo de menos corpo no que foi retratado.
Os pés estão juntos, mas os vemos pela metade. Estão profundamente inertes. É a sombra dos glúteos o que os coloca no limiar entre o claro e o escuro. Porém, podemos ver todos os dedos. Existe algo de profundamente obsceno em tentar contá-los. É no momento exato em que examinamos se todos os dedos estão aparentes que somos pegos por uma sexualidade menos sutil e mais evidente. Todo escândalo que advém desse jogo de somar os dedos dos pés consiste, paradoxalmente, no fato de que, nesta imagem, é o esforço de minúcia, que induz ao sexual. Na foto, os pés e as mãos são de uma nudez mais provocativa do que os orifícios que tentam esconder. É preciso perceber isso. Por trás das mãos e pés, que inclusive nos enganam quando pretendem não ter nada a ver com a posição corporal inusitada, algo de sexual se insinua. 
O sexo está no detalhe.
As mãos que pretendem esconder os orifícios são quase que exclusivamente dedos. Dedos que, ao contrário dos pés, podem se movimentar. A imagem é estática, como não poderia deixar de ser, mas, o sugestivo está justamente em imaginar estes dedos em movimento. Dedos que tentam nervosamente esconder o sexo. Existe, inclusive, uma vontade de que os dedos, dada a posição que estão, não consigam cumprir seu papel no jogo de esconde e fiquem se movimentando, uma mão sobre outra, de modo que quando conseguem cobrir uma parte do sexo, acabam, invariavelmente, por deixar outra parte comprometedora descoberta.  
Além disso, não é exatamente alguma forma de toque o que precipita uma fantasia mais imaginativa. É a disposição dos dedos.
Dedos sobre dedos.
As mãos podem até ser nervosas, mas os pés são calmos. Reclinado como em uma forma de reza, o corpo é contraditório. Os pés juntos, com seus múltiplos dedos, podem até sugerir ave-marias se o caso fosse o de rezar. Se não provocassem, maliciosamente, na sua visão, certa inclinação para verificar se todos os dedos estão realmente ali. Mas as mãos, com a sobreposição de dedos sobre dedos, denunciam evidentemente, certas vontades menos religiosas.
  


sábado, 11 de fevereiro de 2017

Rrose Sélavy, 1920/1921 (Duchamp/Man Ray) ou Mulher de Tempo Lento




  
I

         O chapéu é por demais inusitado, personalíssimo, e chega mesmo a ser ousado, quase insolente, se levarmos em consideração o fato de que é composto basicamente por figuras geométricas dispostas de uma maneira aparentemente aleatória.
         Claro que isso já é uma forma de impostura, uma vez que toda geometria que se pretenda aleatória é, em verdade, a própria negação da geometria. Há sempre um princípio organizador nas formas geométricas, elas são avessas ao caótico, de modo que basta decifrar sua lógica interna para inviabilizar a sensação de que essas formas possam ser dispostas sem alguma espécie de simetria própria.
         Porém, os desenhos no chapéu dessa mulher-enigma, basicamente compostos pelas ocasiões do negro no branco ou vice-versa, são misteriosos a seu modo e decifrar o seu padrão é tarefa difícil.
         As figuras no chapéu parecem escapar – quando fixamos uma das formas, outra delas dá a impressão de sorrateiramente começar a se ocultar.
         Por isso, talvez, alguns dizem, inclusive, que estabelecer como se deslocam essas formas, essa brincadeira de esconde, é a melhor maneira para começar a compreender essa mulher.
         Existe, na essência do chapéu, um jogo geométrico entre o visível e o invisível que potencializa o caráter misterioso da fotografia. Mas, obviamente, os defensores dessa tese – os “analistas do chapéu” (como ficaram historicamente conhecidos) – são aqueles mais tendentes a matematizar a condição humana, e se esquecem, com frequência, de investigar, na sua ânsia por delimitar quadrados, retângulos e triângulos, outros aspectos da imagem desconcertante da mulher na fotografia.

II

Olhar o próprio observador, perfurar o espectador, olhar para além e não enxergar propriamente ninguém.

III
          
         Há algo naqueles dedos que sugere indiscutivelmente a feminilidade. Não é, como poderia se pensar, o fato de serem menores e mais finos que os dedos dos homens, com suas mãos maiores e mais brutas. Tampouco é a presença dos anéis o que nos certifica que se trata de uma mulher.
          É o modo como foram capturados pelo instantâneo.
Levemente dobrados, sutis, delicados ao tocar o casaco de pele. Dedos que sugerem movimentos mais suaves, talvez menos bruscos. Dedos que fazem manha, que delongam as ocasiões, e que são menos objetivos ao cumprir a tarefa de levantar a gola do casaco de pele. Dedos de tempo lento, habituados aos caprichos próprios à atuação, sempre demorando em completar cada movimento, como se cada ação fosse uma espécie de performance.

IV

Somente uma lente objetiva poderosamente aguçada poderia registrar o exato segundo em que Rrose está propositalmente se atrasando alguns breves instantes para fazer qualquer coisa absolutamente irrelevante: tudo se passa efetivamente na cadência distendida de um momento meticulosamente alargado.

V

Toda e qualquer mulher, de maneira absolutamente manhosa, atrasaria o ato de arrumar o casaco de pele apenas alguns breves instantes só para ser registrada na fotografia como uma mulher ligeiramente manhosa atrasando o ato de arrumar o casaco de pele apenas alguns breves instantes antes de fazer alguma coisa de importância sabidamente superestimada.

VI

         É preciso não estar entendendo absolutamente nada se o caso é o de indagar se a mulher da fotografia é uma atriz ou não. Se ela está indo ao teatro ou se acaba de sair de cena.
         Em um sentido muito particular, toda mulher é ela mesma e, ao mesmo tempo está sempre em cena.
          O mais interessante da fotografia, na verdade, é outra coisa.  
Ela enigmaticamente nos lembra de algo sobre as mulheres que vez ou outra deixamos escapar e que pode passar despercebido inclusive por elas, acostumadas a simplesmente agir da maneira habitual. A fotografia é de Rrose, mas bem poderia ser de qualquer mulher representada em um momento em que se arquiteta propositalmente, mas de maneira natural, as formas corporais e espirituais que compõem aquilo que chamamos de feminilidade.
         Talvez o segredo dessa fotografia seja que ela consegue retratar perfeitamente, na captura do instantâneo, uma mulher em um momento de verdade absoluta. Em performance ou não, o que no fundo é a mesma coisa, a mulher que busca a plenitude feminina é aquela que não se cansa de atuar, no teatro da vida, de acordo com aquele sonho maravilhosamente impossível que ela mesma inventou para si.


domingo, 29 de janeiro de 2017

Diagnóstico Preciso, um conto de Rodrigo Suzuki Cintra


         Cheguei, como de costume, atrasado para a sessão. Claro que eu não gostava nem um pouco de ir lá todas as semanas. Mas, meu comportamento, pelo que diziam, exigia intervenções maiores.
          Ele estava me esperando. Nunca perguntava o motivo de meus atrasos. A verdade é que eu me atrasava só para ver se ele ia falar alguma coisa. Nas nossas conversas, invariavelmente, somente eu falo. Não é bem, então, o que se poderia chamar de uma conversa. Mas, essa parece ser a técnica da coisa toda. Sabia que aquela seria a última sessão. Eu já não aguentava mais aqueles truques intelectuais baratos e além disso, no fundo, tudo que bastava era só eu não querer mais aparecer por lá. Ninguém me levaria à força, obviamente. Avisei, por respeito, mas sem maiores avisos, que seria nosso último encontro. Ele concordou. Não falou nada. Apenas acenou afirmativamente com a cabeça. Eu estava me lixando para tudo aquilo, então, já de saída na porta, antes de dar a despedida final, resolvi fazer alguma pergunta cínica – daquelas típicas coisas que adoro fazer. Eu ia fingir, pela última vez, que me interessava por aquelas conversas: ia simular um interesse no meu próprio caso (como se eu, no fundo, não me conhecesse melhor do que ninguém).
          “Doutor, diga-me com franqueza, qual é o seu diagnóstico?
          Ele me olhava fixamente, mas, não parecia querer falar. Decidi, então, pressionar um pouco: “Eu já venho aqui há muito tempo. Acho que o mínimo que o senhor poderia fazer é ser sincero comigo.”
          Então, ele respondeu: “Você é um impostor!”
          Resolvi investigar melhor a afirmação. Era a nossa última consulta, e afinal, aquilo era uma tese um pouco estranha. Disse: “Mas, doutor, por que diz isso?”
      Ele respondeu prontamente dessa vez: “Você anda se fazendo passar por você mesmo!”
          Não respondi. Desci pelo elevador. Saí para o sol. Atravessei a rua fora da faixa de pedestres. Dobrei a primeira esquina à direita. Não pensava em nada. Eu estava indo a pé para algum lugar qualquer. Talvez, para casa. Dobrei à direita. Estava, de fato, até mesmo feliz, afinal, estava me livrando de uma chatice das boas. Pensei, inclusive, em dar uma passada em algum boteco. Talvez eu devesse, inclusive, comemorar. Eu até que gosto de beber sozinho em botecos sujos. Dobrei à direita e fiquei a olhar o sol, os pássaros, até as nuvens me encantavam com seus formatos inesperados. Comecei, também, a olhar fixamente para as pessoas que passavam por mim. Atravessei a rua na faixa de pedestres. Caminhei alguns metros. Subi de elevador. O corredor era longo e estava escuro. 
          Cheguei, como de costume, atrasado para a sessão.

domingo, 22 de janeiro de 2017

Personagem a uma Janela, 1925 (Dali) ou Uma ideia Extravagante




         
I

          As ondas do mar, a passagem das nuvens no céu, o vento a produzir vincos nas cortinas, o movimento do vestido, tudo isso foi pintado apenas para combinar com os cachos do cabelo.

II

          Ela é bela. E seu retrato é feito às avessas. Em um retrato pode ser possível exprimir toda a biografia de uma pessoa. Os retratos são imagens que descrevem a expressividade. Em todos os casos, são a representação da face e, às vezes, da visão frontal do corpo. Ela, no entanto, é retratada de costas. Há uma originalidade nisso porque, com efeito, a ideia parece dar certo. Seu retrato está nos cachos malcriados de cabelos escuros, no modo como uma de suas pernas se dobra gentilmente para trás e fica na ponta do pé, o que lhe dá um ar de mulher fantasiosa. Na maneira como ela apoia firmemente os dois braços na janela para olhar – como todos os dias faz –, para fora de casa. No modo como o corpo bem esculpido modela um vestido barato qualquer. Nas pernas parcialmente descobertas, mas que apontam suficientemente para sinuosidades e que nos dão vontade de imaginar como seria o resto do corpo sem o vestido. Em uma cintura mais fina que os glúteos absolutamente carnudos e sugestivos.
É o retrato de uma mulher possível.
Porém, não conhecemos ninguém exatamente assim e tudo que podemos fazer é contemplar a imagem e sonhar com um encontro inesperado e improvável com uma personagem que habita exclusivamente o mundo das representações.  

III


É preciso conter o mar, enquadrar o céu, impedir a ação do vento, enfim, desrespeitar, no recorte da janela, a plenitude de todos os elementos essenciais, mas representar a suavidade tensa dos cachos do cabelo enigmáticos, a paixão inesperada de glúteos convidativos e a imaginação infinita de um pé direito sonhador. Uma ideia realmente extravagante seria beijá-la nervosamente na nuca, se perder nos cabelos encaracolados, levantar parcialmente seu vestido e colocar seu corpo na ponta dos dois pés.  

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Celebes, 1921 (Ernst) ou Breve gesto com Luva Vermelha




Escrito em João Pessoa (07/11/14)





I

          Um céu com texturas compostas de tonalidades variadas de azul denuncia, por oposição, a terra desolada.
Apesar de a imagem estar preenchida em quase toda a sua totalidade por uma criatura-estrutura gigantesca e singular, temos a impressão que a área ao seu redor, caso pudéssemos vê-la à distância, seria desértica.
          A máquina-animal que está no centro da cena é particularmente única. Pelo menos, e disso estamos certos, é a única que pode ser vista nas proximidades.
          Há algo de aço na robustez dessa coisa-coisa. E mesmo que exista qualquer elemento orgânico em sua estrutura, isso deve, provavelmente, também ser feito de algum material metálico, sem dúvida.
          Alguns apostam, sem titubear, que se trata de um elefante muito particular. Outros, que é, certamente, um tanque de guerra pronto para o combate. De qualquer modo, veículo ou animal, trata-se de um artefato ou de um ser extremamente curioso.
          Aqueles que sustentam a tese de que se trata de um elefante, apontam para a existência de uma tromba que, curvilínea, causa mais impressão pelo fato de não parecer funcional do que pela sua posição. Ela não parece ter começo nem fim. Está ligada ao mesmo tempo ao corpo do elefante e a cabeça do animal, o que impossibilitaria o seu uso. Mas, parece perfeitamente adequada a composição, apesar de ser, se assim o for, plenamente inútil.
          Para os que estão certos de que se trata de um veículo de combate, é claro que a estrutura curvilínea a que os outros chamam de tromba corresponde ao canhão do tanque. Um canhão meio inusitado pois, a princípio, é menos rígido do que se esperaria de uma máquina de artilharia pesada.
           A cabeça da criatura-estrutura possui chifres e dentes de latão e está separada do corpo ligando-se a este pela tromba, ou se arriscarmos outra interpretação, pelo canhão.
          Dois elementos, no entanto, chamam atenção e apontam, cada um a seu modo, para interpretações divergentes. Uma espécie de chaminé feita de peças de metal colorido disposta logo acima da estrutura sugere que essa é mais um veículo militar que um elefante em potencial. Porém, em contraposição, do lado esquerdo da criatura, duas presas se projetam do corpo, dando a entender que se trata de um elefante particularmente especial e não de uma máquina de guerra.
          Às vezes, devido à posição das presas, temos a impressão de que a cabeça verdadeira do animal está escondida pelo seu corpo e que o que podemos ver na figura corresponde à sua parte traseira. A tromba, assim, se transforma em rabo e a criatura toda parece ser ainda mais enigmática visto que teria, nesse caso, duas cabeças.

II

Com um gesto gracioso, o corpo da mulher sem cabeça domina o primeiro plano da pintura, apesar de quase ninguém reparar nela. Sua imagem está recortada pela própria tela e seu corpo muito branco, sem sombra de dúvida, está completamente nu. Não há dúvida de que deve ser uma mulher muito bela, mas, de qualquer modo, sua representação completa foi sequestrada pela lógica do quadro. Talvez o gesto que ela faz com um dos braços, delicado e preciso, sugira que se trata de uma bailarina. Inadvertidamente, sempre que estamos em dúvida, pensamos que são bailarinas. A mulher certamente não está inerte e o movimento do braço não poderia estar completo sem aquele gesto absolutamente característico da sua mão que, atrevida e de propósito, deixa-se levar por aqueles modos caprichosos exclusivamente femininos que causam admiração, proporcionam beleza e são extremamente sedutores. É evidente e perceptível que a ausência da cabeça nessa figura não se dá pelo recorte da tela. Sentimos, em um primeiro momento, a sua falta. Porém, a delicadeza do gestual (e os seios perfeitos...) nos cativa logo após um segundo exame e não conseguimos pensar em nenhuma cabeça específica que pudesse ajudar a dar um significado maior para o modo como ela foi representada. A ausência de cabeça, de certa maneira, facilita a imaginação – pois leva a pensar qual rosto de mulher nos vem à mente quando o caso é o de tentar preencher uma face que a própria imagem nos negou. A brancura do corpo da mulher, a perfeição do volume de seus seios e a ausência de cabeça produzem um impacto profundo em quem se propõe a olhar essa bailarina de um modo mais detido. Essas características do corpo da bailarina quase que fazem com que não nos preocupemos em perceber a luva que ela veste em uma das mãos. Talvez fosse possível dizer, por causa disso, que a mulher não está completamente nua – a luva ainda esconde algo de seu corpo. Porém, essa seria uma visão severamente equivocada. Pois é justamente a luva, em cores vivas, a contrastar com a brancura do corpo, que garante a nudez total.

III

Ao ocupar quase que a totalidade da tela, a coisa-coisa, criatura-estrutura, elefante-tanque tem matizes escuros, em tonalidades de cinza. Podemos ver toda a sua proporção a partir do ponto de vista em que nos encontramos como observadores. Estamos em ângulo privilegiado, bem de frente para este monstruoso constructo.
 Sua disposição aponta para a inércia, parece estar parado, e sua estatura e volume, sem dúvida, nos remetem ao peso. Pode bem ser que se trate de uma máquina de guerra singular, um elefante-tanque, e, nesse caso, a impressão de que o cenário para além dos limites da tela, caso pudéssemos vê-lo por completo, seria de pura desolação confirmaria a sensação de que a estrutura em questão serve mais à destruição do que à vida.
Sua existência, como potencial máquina de guerra, uma estrutura do extermínio, é intrigante porque estranhamente dá a sensação de operar de maneira autônoma, sem intervenção humana. Como se fosse uma mecânica que, de alguma forma, se bastasse.
A mulher-bailarina é branca. Muito branca. Seu corpo está incompleto, em muitos sentidos – a mulher não é retratada da cintura para baixo. Inclusive, estar ao mesmo tempo dentro do campo de visão do observador e fora de seu campo de visão, é estratégia fundamental para destacar sua movimentação. Ela está na extremidade direita da pintura, mas em primeiro plano, e contrasta visivelmente com a centralidade do tanquedeguerraelefante. Tudo nela aponta para um suave deslocamento. Bem pode ser que ela esteja ensaiando para uma apresentação de balé.
A estrutura ao centro é, sem dúvida, composta de aço, metal e ferro; já a bailarina, é feita de carne e sua estatura pequena, leve e magra entra em conflito com o tamanho avantajado, o peso e o porte avolumado da criatura.
          Mas, se a contradição é evidente, não se sabe ao certo se é a possibilidade de dança ou a possibilidade de destruição o que está fora do lugar na tela.
          E, talvez, alguns críticos mais atentos sugiram que, no fundo, as duas hipóteses correspondem à mesma coisa na lógica da composição.

IV


Em um céu de texturas elaboradas em tonalidades variadas de azul, em uma terra desolada, em um solo em que a sombra nada revela, ao meio de três elementos viris que brotam do chão, entre um peixe e outro voando no céu, entre o cinza e o branco, peso e leveza, inércia e movimento, aço e carne: a tensão entre a tromba e o seio.

O Mês das Vindimas, 1959 (Magritte) ou Do Lado de Fora de Mim Mesmo






          Existem dois homens iguais ao meio de cinco homens iguais. Eles se vestem de preto.
          Existem cinco homens iguais ao meio de sete homens iguais. Eles usam chapéus.
          Existem sete homens iguais ao meio de onze homens iguais. Eles usam gravatas.
         Existem onze homens iguais ao meio de vinte e três homens iguais. Eles estão em pé.

          Existem vinte e três homens iguais ao meio de vinte e três homens iguais. Eles estão do lado de fora da minha janela. Mas só um me incomoda.

A Galeria Invisível







Para mim não existe diferença entre o sonho e a realidade. Eu não sei nunca se o que faço é produto do sonho ou do estado despertado.
Man Ray

É preciso ter uma ideia do que se irá fazer. Mas deve ser uma vaga ideia. 
Picasso

Loucura sim, mas tem seu método
Hamlet, Shakespeare


Existe um gênero literário clássico, uma antiga técnica grega, chamado ekphrasis, para muitos uma forma morta, que consiste em descrever uma obra de arte com a maior exatidão possível, de modo a tornar factível a quem nunca a viu efetivamente poder enxergá-la com os olhos da alma, como se estivesse bem na sua frente. Há, nessa forma, um exagero de cálculo na descrição. Tratei de compor os textos deste livro, que no fundo é um apanhado de fragmentos, influenciado por essa maneira, se bem que por vezes me arrisque a narrar histórias possíveis ou dissertar livremente sobre o valor de alguma obra específica. Por se tratar exclusivamente de fragmentos que partem de ekphrasis de obras dadaístas e surrealistas, conforme escolhi, certamente a lógica do real, imperativo típico dos homens sem imaginação, cede a um modo de contemplação e composição um pouco mais fantasioso e particular. Por certo que as descrições, as criações e as argumentações que partem desses tipos de obras jamais poderiam ser fiéis completamente se, de algum modo, não fossem ligeiramente malcriadas e não estivessem no limiar entre razão e emoção, precisão e irreverência, sonho e realidade.



Para minha querida Allegra, pois seu papai, com amor e muito carinho, deseja que sonhe sempre o impossível.

PROJETO - A Galeria Invisível

Amig@s,

Vou publicar, quinzenalmente, um livro-projeto intitulado "A Galeria Invisível" na Revista Zagaia (online). É um livro que se situa entre o ensaio ficcional e a crítica de arte. A concepção do projeto e os dois primeiros posts já estão na Revista. Convido todos a ler o que postei e a acompanhar periodicamente essa experimentação. Abs e Bjos.


quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Citação do Mês - Dez/2016

"A arte não é um espelho para refletir o mundo, mas um martelo para forjá-lo"


Vladimir Maiakóvski

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Lançamento de meu livro: "Shakespeare e Maquiavel - a tragédia do direito e da política"





Contracapa

O que Shakespeare tem em comum com Maquiavel? O que o genial dramaturgo e o polêmico pensador renascentista têm a dizer sobre a relação entre o Direito e a Política? De maneira rigorosa e, ao mesmo tempo, ousada, o filósofo Rodrigo Suzuki Cintra se propõe a reler as grandes tragédias de Shakespeare e o livro mais impactante de Maquiavel, O Príncipe, para tentar responder a essas perguntas. Por meio de análises de peças de Shakespeare, propostas de novas leituras de Maquiavel, resgates da tradição da tragédia no mundo ocidental, o autor procura, de maneira erudita, estabelecer como opera a ideia de trágico na formação da política e do direito na Era Moderna e mostrar como esta relação ainda se propõe como um problema para o nosso próprio tempo.


Orelha

Ser ou não ser – eis a questãoAlém disso, deve-se, em todas as coisas, considerar o seu fim... As duas famosas frases, correntemente associadas a Shakespeare e Maquiavel, podem, em princípio, apontar para duas esferas distintas da produção humana: a arte e a política. 
A ideia geral deste livro, no entanto, é tentar mostrar como arte e política podem ter conexões muito mais profundas do que aparentemente se supõe. Talvez, até mesmo uma ligação essencial. Por meio da apropriação do pensamento trágico de Shakespeare e de Maquiavel – a leitura de Maquiavel como pensador trágico é uma das teses polêmicas deste livro – trata-se de investigar como no início da Era Moderna a arte shakespeariana era extremamente política enquanto o pensamento político maquiaveliano tinha um elevado valor artístico-literário. 
É via visão trágica de mundo que o autor, o filósofo Rodrigo Suzuki Cintra, traça seu esquema de interpretação da Era Moderna. Ao conectar arte e política em Shakespeare e Maquiavel, o autor resgata um problema que parece ser de extrema importância na obra destes importantes pensadores, uma questão que está no centro da tragédia: o lugar da justiça.  
Se o núcleo da política é o poder e o núcleo do direito, a justiça, a tragédia enquanto formato literário e enquanto modo de viver e sentir o mundo se propõe sempre como uma forma política e jurídica. Assim, podemos encontrar nas grandes tragédias shakespearianas (HamletOteloRei Lear e Macbeth) e também em O Príncipe, de Maquiavel, uma preocupação em equacionar como o poder se liga à justiça. Será que poder e justiça estão implicados de maneira indissociável? Será que a justiça nada tem a dizer ou condicionar o poder?  
Estudar esses autores em conjunto, entrecruzando suas obras, é uma alternativa original de investigar uma questão fundamental para a política e para o direito: quais são os limites do poder?

sábado, 24 de setembro de 2016

Palestra Informal na Casa do Prof. Tercio Sampaio Ferraz Jr.


Prezados amigos,

Acabei de achar um vídeo em que discorro sobre Shakespeare e a Corrupção. Trato de Hamlet e da tetralogia A Henríada. Foi uma intervenção que fiz no Seminário da Feiticeira (um grupo de debate que ocorre na casa de praia do professor Tercio Sampaio Ferraz Jr.). Ali, tudo é informal. Menos, as ideias... Algumas figuras conhecidas aparecem: Nelson Jobim, Celso Lafer etc. O seminário foi em outubro de 2015: o Brasil estava polarizado. Tentei dar o meu recado político por meio da arte. Pois, assistam! Abraços!