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segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O Juízo Político dos Jovens - Análise de um artigo de Hélio Schwartsman

Algumas das desqualificações das ações realizadas por jovens, como por exemplo a que podemos ler na coluna de Hélio Schwartsman do dia 09/11/2011 da Folha de S. Paulo, chegam a ultrapassar o limite da discordância política, salutar em uma democracia, e, através de argumentos pseudo-científicos caracterizar o jovem como inconsequente por definição biológica. De acordo com o autor, a neurociência explicaria a conduta desviante do jovem com base no que se convencionou chamar “assincronia do desenvolvimento cerebral”.

Tudo se passa, nesse caso, como se o jovem que tem atitudes contestadoras, não tivesse ainda completado o desenvolvimento do córtex pré-frontal, o que somente aconteceria lá pelos 25 anos de idade. Trocando em miúdos, o jovem é inconsequente porque não está formado biologicamente para tomar decisões e raciocinar, profundamente, sobre seus atos.

Não é de hoje que os argumentos que tentam desqualificar os jovens como interlocutores se apegam no quesito da faixa etária. A imagem do jovem ainda sem grandes responsabilidades, sem interesses legítimos em jogo, sem o encargo de uma família própria para cuidar, parece dominar o discurso dos conservadores que taxam como simples irreverência o que pode ser a mais pura e direta discordância política.

Não é preciso muito raciocínio, nem muita idade, para perceber que o argumento biológico aparece na ordem dos discursos contra os “jovens arruaceiros da USP” como forma de inviabilizar o caráter político por trás das demandas estudantis. A biologia e as demais ciências quando aplicadas a interpretar o mundo dos homens não são, e é bom que isso fique claro, neutras. A ciência como resposta para a compreensão das ações humanas pode ser usada de maneira ideológica tal qual qualquer outro panfleto partidário.

O problema é que ela se reveste de verdade incontestável, quando no fundo pode orientar o mais puro preconceito. Dizer, então, que os jovens da USP ainda não sabem direito o que querem é inviabilizar seu discurso como sendo apenas fogo de palha. Pois, como diz o autor, a “juventude é, afinal, um estado passageiro”. O jovem, assim, pode ser plenamente despolitizado pelo pensamento reacionário e seu ponto de vista caracterizado como mera “falta de juízo”.

A tentativa de explicação biológica para uma questão de caráter político-social é uma estratégia antiga para destilar preconceitos e visões de mundo claramente conservadoras. Sob o escudo da ciência, que aparentemente seria imparcial, não foram poucos os que enxergaram no jovem uma maior propensão para o crime, uma tendência para a revolta, uma impulsividade agressiva, ou seja, uma certa conduta refratária às instituições e crenças dos círculos bem-pensantes. Estes últimos, inequivocamente, compostos por homens de família, pagadores de impostos e responsáveis politicamente.

Não me parece, no entanto, que a indignação, a propensão para o crime ou o discurso leviano sejam atributos exclusivos dos jovens, ou que, pelo menos, tenham maior incidência nesta faixa etária. Tem muita gente que passou dos 25 anos e continua não entendendo nada de política, comete crimes e escreve coisas altamente questionáveis.

A idade não é um bom termômetro para avaliar a capacidade de indignação do cidadão politizado, pois, com a mesma frequência que vemos jovens contestadores, também vemos adultos combativos para quem a chama da justiça ainda não se apagou. Acredito, sinceramente, que a atitude crítica não tem idade, nem geração.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Em defesa da Filosofia

Revista VEJA: "Ensino obrigatório de Filosofia e Sociologia nas escolas públicas: Em vez de empreender um esforço para melhorar o quadro lastimável da educação brasileira, o governo se empenha em tornar obrigatórias disciplinas que, na prática, só vão servir de vetor para aumentar a pregação ideológica de esquerda, que já beira a calamidade nas escolas." (Ed. 2236 - 28/09/2011-Pg.93)


“O objetivo da filosofia é o esclarecimento lógico do pensamento. A filosofia não é uma doutrina, mas uma atividade.”

                                          Wittgenstein

Pensar é perigoso.

Todo regime autoritário tem a tendência de enquadrar não apenas o indivíduo em sua dimensão de liberdade física, mas também na esfera das ideias, que, contestadoras, logo são censuradas. A filosofia é, antes de tudo, pensamento, reflexão. Muitas vezes, pensar, em um ambiente tradicionalmente bem-comportado no campo das ideias, é pensar contra. A filosofia carrega este conteúdo questionador, esse potencial crítico, que é extremamente estimulante para o desenvolvimento do pensamento abstrato. “Pensar é o contrário de servir.”[1]

Dizer, portanto, que a filosofia tem uma tendência contestadora por formação é dizer que ela deve ser peça fundamental na desmontagem dos mecanismos de poder e dominação tradicionalmente efetivos na sociedade.

A filosofia se mostra requisito indispensável para fornecer aos estudantes a possibilidade de articulação entre conhecimento, cultura, discursos e experiência.[2] E ainda mais, não apenas a articulação desses elementos, mas, principalmente, o desenvolvimento do pensamento questionador sobre esses elementos. A filosofia, como bem se sabe, pode auxiliar o aluno crítico a formular questões e objeções de uma maneira organizada, e o quanto mais rigorosa conceitualmente.

Essa formação crítica vai de encontro à necessidade de realização total do indivíduo, pode representar sua emancipação. Afinal, faz parte da essência do ser humano ser sujeito consciente de sua própria história. O trabalhador, por exemplo, no sistema do capital, é barrado, muitas vezes, do espetáculo do conhecimento. Tende, como consequência, a pensar e agir de maneira fragmentada, assistemática, não crítica, ou seja, dentro dos limites do senso comum.[3] À dominação econômica corresponde a dominação ideológica[4].

A filosofia deve ser um modo de superação do senso comum, uma capacidade de reflexão rigorosa, crítica e sistemática sobre os problemas da realidade. Deve ser crítica da ideologia dominante para a superação da alienação. Em outras palavras, a filosofia, nos tempos atuais, tem uma tarefa: detectar os discursos prontos, os discursos ideológicos e denunciá-los, de modo que, ao expô-los à luz, verificar o que resta, o que ainda pode ser de utilidade para a explicação da realidade.

A formação do indivíduo deve ser a mais completa possível, o que inclui uma formação problematizante que implicaria em um questionamento, a todo momento, dos seus próprios atos. O estudo de filosofia nos parece ser essencial para essa formação crítica indispensável que todo indivíduo deve ter para realizar sua essência humana. Talvez seja justo dizer, como o faz Olgária Matos, que a filosofia põe em movimento o pensamento, imprime uma dinâmica que desestabiliza a apatia da razão, o torpor dos hábitos e a inércia do preconceito[5].

A posição apresentada pela reportagem da Revista Veja (Ed. 2236 - 28/09/2011-Pg.93), assim, a de que a filosofia representa um perigo porque doutrina o jovem a uma perspectiva de esquerda, põe em jogo, de certa forma, o essencial da questão. Uma filosofia bem ministrada nas escolas que preparam nossos futuros adultos tem a potencialidade de formar pessoas mais críticas, tendentes a analisar problemas e pensar por própria conta e risco.

Se Wittgenstein estava certo, a filosofia não é, em si, basicamente de esquerda. Basta olhar, para isso, o universo de nossos filósofos profissionais que escrevem regularmente no espaço público midiático. Esse espaço é visivelmente ocupado pelos ideólogos do que, por falta de designação melhor, poderíamos chamar de direita. Agora, o que a Revista Veja reconhece é o potencial crítico, o instrumental teórico abstrato capaz de dar conta de análises da sociedade e, assim, tentar mudar o que não se mostre justo.

Mas, então, o que quer a Revista Veja?

Será que está disposta a sustentar o discurso de que é melhor para nosso país que os jovens não sejam, futuramente, homens e mulheres críticos?

Será que acreditam que a crítica somente pode ser de esquerda? Porque se assim for, em um Brasil injusto, desigual e altamente conservador, ser de esquerda é, efetivamente, um valor a ser perseguido.

E, se o problema for uma pregação ideológica possível, a coisa caminha em outros termos. Dizer que a filosofia não pode ser ministrada nas escolas porque implicaria em formação partidária é, profundamente, tacanho. Estudar a história da filosofia, problematizar as questões mais profundas do ser humano, criar a sensibilidade para o belo, são tarefas extremamente necessárias e dizer que tudo isso seria feito para aumentar a pregação ideológica de esquerda é diminuir a filosofia.

O preocupante é que todo regime autoritário tem a tendência a suprimir a filosofia do currículo das escolas, como já foi feito no Brasil. Ela seria, em sua atividade contestadora por natureza, descartada como indesejável. O mesmo argumento, o da "pregação de esquerda", já foi usado contra a filosofia no passado recente brasileiro. Em um ambiente democrático, a filosofia não pode significar um risco, não pode jamais ser entendida como um problema. Pelo contrário, ela seria altamente aconselhável na medida em que tem, em si, um potencial de libertação.







[1] MATOS, Olgária. “Para que filosofia?” In: Vestígios – escritos de filosofia e crítica social. São Paulo: Palas Athena, 1998, p. 147.
[2] FAVARETTO, Celso. “Filosofia, ensino e cultura” In: Filosofia: caminhos para seu ensino. Rio de Janeiro: DpcA, 2004, p. 48.
[3] SILVEIRA, René José Trentin. “Teses sobre o ensino de filosofia no nível médio” In: Filosofia no ensino médio: temas, problemas e propostas. São Paulo: Loyola, 2007, p. 90 e 91.
[4] “Que demonstra a história das idéias senão que a produção intelectual se transforma com a produção material? As idéias dominantes de uma época sempre foram as idéias da classe dominante.” (MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto Comunista. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 57.)
[5] MATOS, Olgária. op. cit., p. 148.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Pondé e as Mulheres como Objeto

O recente artigo de Luiz Felipe Pondé na Folha de S. Paulo (11/07) é uma das maiores demonstrações das distorções pelo que se passa por Filosofia no Brasil. O autor, jornalista ilustrado, com crises de filósofo, escreve como se a irreverência e a vontade de polêmica fossem sinônimos de preconceito e o mais tacanho machismo.
Em seu artigo, Pondé discorre sobre a vontade interna de toda mulher de ser tratada como um objeto. O texto não teria maiores problemas - seria mais um ensaio machista - se não fosse a pretensa análise filosófica do autor. Através de construções do tipo "cada um é cada um", Pondé enuncia sua pergunta pseudo-filosófica: como uma mulher pode ser gostosa sem ser objeto?
Para além da filosofia de boteco, que mesmo quando toca no tema das mulheres é muito mais elaborada e interessante, Pondé tece um discurso que demonstra a própria desarticulação de seu pensamento sobre o assunto. Mistura as coisas e, no mesmo artigo, é capaz de falar das bicicletas em Copenhague, da falta de educação dos europeus e do banho com pouca água... É perfeitamente possível discutir diversos assuntos em um mesmo texto. No entanto, o que ocorre na escrita de Pondé é a própria prova da falta de rigor do raciocínio. Ele não consegue fazer as conexões entre todos estes assuntos, de modo que os recados são dados como se o leitor avisado fosse quem devesse articular o que ele mesmo não fez.
O texto desastrado evoca o que há de pior no pensamento dos homens sobre as mulheres e estabelece, sobretudo, uma relação de desigualdade entre os gêneros que não poderia ser mais conservadora. Para o autor, a igualdade somente deve ser enunciada na lei porque, na realidade, as diferenças seriam o que mais importa.
Esse tipo de análise, na verdade apenas a exteriorização de uma opinião tacanha, é o que vem ganhando espaço cada vez maior em nossos jornais e revistas. Um tipo de conservadorismo que não tem vergonha de se mostrar porque se pensa protegido por uma condescendente liberdade de expressão. Nada contra o fato de que o jornalismo esteja caminhando para este lado, menos radical e libertário e, com certeza, mais reacionário e de direita. É só que a gente cansa de ler tanta bobagem travestida de inteligência. Tanto cinismo fantasiado de ironia. Tanta boçalidade fingida de irreverência.