Mostrando postagens com marcador Hannah Arendt. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Hannah Arendt. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

 

Empoderamento, Brigas de Ocasião e Lutas Políticas

Rodrigo Suzuki Cintra

 

            Uma maneira no mínimo não convencional de reconsiderar o jogo político é proposta por Hannah Arendt em Sobre a Violência, e a hipótese conceitual de reverter a relação entre poder e violência, baseada nas considerações da autora, vem a explicar, talvez, implicações de brigas de ocasião elevadas ao nível de luta política.

            Para não fazer um fichamento escolar da proposta da filósofa, a questão toda se propõe, inicialmente, que tanto a esquerda mais revolucionária, quanto a direita mais autoritária, sempre identificaram o poder como exercício da violência. Em comunhão, a possibilidade de revolução emancipatória bem depende disso, assim como o totalitarismo se resolve e se impõe no “cano do revólver”.

            Hannah Arendt é bem mais que pensadora afinada a uma ideologia em particular e qualquer leitor pode perceber que sua trajetória como filósofa política no século XX, no tema mais próprio dos pensadores-homens, pode garantir uma legitimidade de começo de conversa, ou mesmo, uma leitura de adesão.

            Porque tem pessoas que sabem do que estão falando.

            A relação entre poder e violência é clássica e tanto um Max Weber justifica todo o Estado no exclusivo e legítimo exercício da força, como Marx propõe a revolução armada por tomada de consciência, em regime de luta de classes, contra o Estado opressor.

            Mas, a análise de Hannah Arendt não conecta a violência como manifestação de poder, mas, sim, em lógica de navalha, opõe a violência ao poder: o exercício da violência é sintoma de perda de poder. A operação de deslocamento, conceitual e factual, porque a violência existe mesmo e na base do porrete, funciona porque o poder, para a filósofa, tem que ser baseado em um consenso geral. E onde existe essa comunhão de sentido político, a violência não tem sentido, não é necessária. Hannah Arendt, assim, não posiciona o poder no mando exclusivo estatal, mas no agir em conjunto e no mesmo sentido de toda a comunidade.

            De certa forma, devolve a comunidade o agir da política.

            Sem continuar com as classificações e proposições do ensaio da autora, o que parece ser interessante em momento atual e contemporâneo, quando a luta política se esfacela em perspectivas diferentes a serem enfrentadas no cenário social, é que o empoderamento, palavra de ordem a reger operações de intervenção de pretensão política, em leitura tradicional, somente se realizaria por meio de enfrentamento. Uma violência de base seria necessária para a oposição e reposição de perspectivas de luta em nível político.

            Mas, se Hannah Arendt, a mulher que se propôs a entender a filosofia política no século XX, estiver no caminho correto da proposta conceitual, quanto mais violência no processo de tentativa de empoderamento, menos poder efetivo se estabelecerá, porque o verdadeiro poder do agir comunitário tem que ser avesso às formas de agressão.

            O extremo máximo da violência, um contra todos, nesse sentido, é uma formulação que não pode ser política porque, em regime de violência máxima, a comunidade não ganha o próprio sentido do poder.

            Em tempos em que a palavra empoderamento funciona como uma categoria absolutamente legítima para lutas sociais, o cuidado com a real e efetiva possibilidade de exercer às oposições de maneiras mais rigorosas pode ser a única maneira de conquista social plenamente política.

            O empoderamento, no entanto, em sua faceta prática é uma fórmula de emancipação que se propõe, antes de tudo, como conquista individual. O multiculturalismo registra o conceito em lógica de abrangência, sim, mas, porém, ele é uma forma de exercício da própria singularidade sem o menor medo ou ressalva de ser quem se é. No geral, se pode falar em empoderamento de um certo grupo social na ação política, mas ele é a expressão própria de uma individualidade que será plenamente exercida como cidadania plena.

            Não é incomum, aqui, que questões de oposição de caráter individual, brigas de contrariedade, rixas de discordância, seja elevada ao nível de luta política, confusão que também pode ocorrer ao reverso, quando a luta política se torna uma peleja entre indivíduos específicos.

            Carl Schmitt foi um pensador reacionário, por certo, mas, no corte de entendimento político não deixou de contribuir para a reflexão que se propõe entender no cenário da lógica do empoderamento. A definição mais operacional que define a política, para ele, no O conceito do político, é que a política é a distinção entre amigo e inimigo. Assim colocado, não é relação entre pessoas com divergências, mas uma ação que se perfaz na aniquilação do outro – o inimigo se destrói.

            Nesse sentido, operações de transformação de brigas de discordância para lutas políticas, se por um lado podem parecer funcionar porque o aniquilamento, por meio da violência, do inimigo é a proposta do próprio exercício político, isso significa categoricamente, se seguirmos a filosofia de Hannah Arendt, na perda do sentido político do próprio ato.

            Carl Schmitt, filósofo das entranhas do autoritarismo nazista, começa a ser, nessa opção de luta pela violência, a base de operação conceitual se o imbróglio se dá dessa forma. O autoritarismo violento se torna a chave da política e a possibilidade de desconexão entre poder e violência uma bobagem de pensadora filosofante.

            A ideia de empoderamento, portanto, não é um engano conceitual, mas deve estar atenta para não repetir a própria violência social que talvez condene no estranho mundo do real. Do contrário, ao invés de basear as ações emancipatórias nos conceitos de Hannah Arendt, avessa completamente à brutalidade, poderia se incorrer no engano da prática da política como extermínio, a proposta de Schmitt. O resultado dessas práticas, nós bem conhecemos ao abrir livros de história.