Empoderamento,
Brigas de Ocasião e Lutas Políticas
Rodrigo
Suzuki Cintra
Uma maneira no mínimo não
convencional de reconsiderar o jogo político é proposta por Hannah Arendt em Sobre a Violência, e a hipótese
conceitual de reverter a relação entre poder e violência, baseada nas
considerações da autora, vem a explicar, talvez, implicações de brigas de
ocasião elevadas ao nível de luta política.
Para não fazer um fichamento escolar
da proposta da filósofa, a questão toda se propõe, inicialmente, que tanto a
esquerda mais revolucionária, quanto a direita mais autoritária, sempre
identificaram o poder como exercício da violência. Em comunhão, a possibilidade
de revolução emancipatória bem depende disso, assim como o totalitarismo se
resolve e se impõe no “cano do revólver”.
Hannah Arendt é bem mais que
pensadora afinada a uma ideologia em particular e qualquer leitor pode perceber
que sua trajetória como filósofa política no século XX, no tema mais próprio
dos pensadores-homens, pode garantir uma legitimidade de começo de conversa, ou
mesmo, uma leitura de adesão.
Porque tem pessoas que sabem do que
estão falando.
A relação entre poder e violência é
clássica e tanto um Max Weber justifica todo o Estado no exclusivo e legítimo
exercício da força, como Marx propõe a revolução armada por tomada de
consciência, em regime de luta de classes, contra o Estado opressor.
Mas, a análise de Hannah Arendt não
conecta a violência como manifestação de poder, mas, sim, em lógica de navalha,
opõe a violência ao poder: o exercício da
violência é sintoma de perda de poder. A operação de deslocamento,
conceitual e factual, porque a violência existe mesmo e na base do porrete,
funciona porque o poder, para a filósofa, tem que ser baseado em um consenso
geral. E onde existe essa comunhão de sentido político, a violência não tem
sentido, não é necessária. Hannah Arendt, assim, não posiciona o poder no mando
exclusivo estatal, mas no agir em conjunto e no mesmo sentido de toda a
comunidade.
De certa forma, devolve a comunidade
o agir da política.
Sem continuar com as classificações
e proposições do ensaio da autora, o que parece ser interessante em momento
atual e contemporâneo, quando a luta política se esfacela em perspectivas
diferentes a serem enfrentadas no cenário social, é que o empoderamento, palavra de ordem a reger operações de intervenção de
pretensão política, em leitura tradicional, somente se realizaria por meio de
enfrentamento. Uma violência de base seria necessária para a oposição e
reposição de perspectivas de luta em nível político.
Mas, se Hannah Arendt, a mulher que
se propôs a entender a filosofia política no século XX, estiver no caminho
correto da proposta conceitual, quanto
mais violência no processo de tentativa de empoderamento, menos poder efetivo
se estabelecerá, porque o verdadeiro poder do agir comunitário tem que ser
avesso às formas de agressão.
O extremo máximo da violência, um contra todos, nesse sentido, é uma
formulação que não pode ser política porque, em regime de violência máxima, a
comunidade não ganha o próprio sentido do poder.
Em tempos em que a palavra empoderamento funciona como uma
categoria absolutamente legítima para lutas sociais, o cuidado com a real e
efetiva possibilidade de exercer às oposições de maneiras mais rigorosas pode
ser a única maneira de conquista social plenamente política.
O empoderamento, no entanto, em sua faceta prática é uma fórmula de
emancipação que se propõe, antes de tudo, como conquista individual. O
multiculturalismo registra o conceito em lógica de abrangência, sim, mas,
porém, ele é uma forma de exercício da própria singularidade sem o menor medo
ou ressalva de ser quem se é. No geral, se pode falar em empoderamento de um certo grupo social na ação política, mas ele é
a expressão própria de uma individualidade que será plenamente exercida como
cidadania plena.
Não é incomum, aqui, que questões de
oposição de caráter individual, brigas de contrariedade, rixas de discordância,
seja elevada ao nível de luta política, confusão que também pode ocorrer ao
reverso, quando a luta política se torna uma peleja entre indivíduos
específicos.
Carl Schmitt foi um pensador
reacionário, por certo, mas, no corte de entendimento político não deixou de
contribuir para a reflexão que se propõe entender no cenário da lógica do empoderamento. A definição mais
operacional que define a política, para ele, no O conceito do político, é que a política é a distinção entre amigo
e inimigo. Assim colocado, não é relação entre pessoas com divergências, mas
uma ação que se perfaz na aniquilação do outro – o inimigo se destrói.
Nesse sentido, operações de transformação
de brigas de discordância para lutas políticas, se por um lado podem parecer
funcionar porque o aniquilamento, por meio da violência, do inimigo é a
proposta do próprio exercício político, isso significa categoricamente, se
seguirmos a filosofia de Hannah Arendt, na perda do sentido político do próprio
ato.
Carl Schmitt, filósofo das entranhas
do autoritarismo nazista, começa a ser, nessa opção de luta pela violência, a
base de operação conceitual se o imbróglio se dá dessa forma. O autoritarismo
violento se torna a chave da política e a possibilidade de desconexão entre
poder e violência uma bobagem de pensadora filosofante.
A ideia de empoderamento, portanto, não é um engano conceitual, mas deve estar
atenta para não repetir a própria violência social que talvez condene no
estranho mundo do real. Do contrário, ao invés de basear as ações
emancipatórias nos conceitos de Hannah Arendt, avessa completamente à
brutalidade, poderia se incorrer no engano da prática da política como
extermínio, a proposta de Schmitt. O resultado dessas práticas, nós bem
conhecemos ao abrir livros de história.