Mostrando postagens com marcador O Caderno de Dispositivos de M. Lovet. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador O Caderno de Dispositivos de M. Lovet. Mostrar todas as postagens

domingo, 10 de outubro de 2021

 

O Oscilador de Formatos de Nuvens

 

E entre a base e o ocular, a semi-lente de engano finge também não ser feita de nebulosa.

 

Mede as bordas das quase-arestas, pontas indecisas sempre [desagudas]: o Oscilador capta e calcula instantes pelas margens das manchas. Função de detectar antes o que virá depois – formatos duram na temporalidade própria [do talvez]. Certa nuvem branca sugere a imagem e o observador de ocasião faz a hipótese indubitável sobre a girafa perfeita, evidente, completamente visível na formação branca – todo desrespeito ao azul infinito dura apenas a visão momentânea de um pescoço longo e quatro patas.

Existe uma floresta possível no céu.

Já conheci quem jurasse que um bicho se transforma em outro, ali nas alturas, com a mesma facilidade que se alternam nos passeios por alamedas de zoológico.

Um gostar mais dessas pessoas, às vezes me ocorre.

Índices de cidades grandes demais com seus símbolos de modernidade, sujeira e incomunicabilidade são perceptíveis: Osciladores captam carros, edifícios e mendigos ao chão com mais frequência [que pianos].

Nunca soube de alguém que determinasse uma clave de sol ao olhar para o céu. Mas, já sonhei com borrões claros que dançavam graciosamente sob o ritmo do fechar de olhos.

Eu sou bom de piscadela porque pisco de propósito.

E nessa brevidade em que o olho titubeia que

lembro do meu nome:

M. Lovet.

É ali no quando dos elementos que tudo fica escuro demais, e pode ser que o estrondo da natureza nos recoloque em conexão com um silêncio feito de medo -, entre episódios de pausa, nuvens carregadas de cinza provam a superioridade da natureza. E as formas sempre voltam ao branco:

não me sinto mal em nunca pensar em música sem inventar [um compasso]

O Oscilador só está pronto quando o mastro triangular começa a girar em volta de si mesmo. Ao captar os formatos de nuvens, sugere no painel em forma de flor as próximas formas de nebulosa.

Gosto de olhar para a flor de máquina porque ela lembra uma mãe caprichosa em dia de domingo. Antes do almoço ela me deu bronca, mas a culpa era do meu primo.

O Oscilador de Formatos de Nuvens é um instrumento de possibilidades.

Composto de lentes, no fundo, ele é feito do tempo da sugestão: os mais imaginativos dos homens levam vantagem ao usar esse objeto de medição. Sonhar mais solto é privilégio; nuvens não são feitas de nitidez. O estatuto de borrão dessas branquitudes preenche significados nos sonhos de olhos abertos. [E tinha aquela história do especialista em Osciladores...]. Enxergava as hipóteses do depois do momento do agora das nuvens com tanta clareza –, parecia até que comandava nuvens a se transformar. Aquela técnica de criar coisas a partir de coisas.

E eu o chamava de Metáfora.

Ele gostava de chuva.

Como instrumento sujeito às calibrações do olhar, a precisão do Oscilador de Formatos de Nuvens depende também de treino. Com o tempo, se percebe o truque mais elementar das nuvens. Eu prefiro ainda guardar no bolso direito da calça, o espaço em que controlo mistérios – Sentimentos! – a matéria prima de que são feitas as manchas do céu. Estão nas alturas por isso.

Sereias brancas significam perigo como violões não passam de fogueiras nas paixões inventadas nos luaus na madrugada de areia na praia.

Uma fumaça que não é nuvem me fez lembrar, agora, de quando eu não era feito de tempo.

No vai e vem de se transformar das nuvens, quando uma ideia começa a querer ser outra, já vi muita saudade, e também ambição. Uma vez percebi de relance entre um amor e um ódio, algo que não estava ali, nem aqui, o princípio do formato do desprezo. Uma forma de medo, um tremor de corpo incontrolável: mas, podia ser só uma imaginação mais doentia. Foi quando resolvi fingir que era só um remorso levemente sugerido. Brancura indecisa entre o rosáceo e o gris.

Uma terceira bocada no sorvete me fez ser um homem melhor.

Na calçada resolvi descalçar o chinelo, não sabia de que lado ficava a praça, então recalibrei meu Oscilador, olhei para o azul do oceano às avessas lá em cima,

dancei por 4’33’’ uns passos de tango sozinho

[sempre com as mãos nos bolsos e sem fazer um único movimento] e enxerguei nitidamente um tigre.