sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Tradução - Poema de T. S. Eliot


O Nome dos Gatos
                   Tradução: Rodrigo Suzuki Cintra

Dar nome aos gatos é assunto complicado,
   Não é apenas um jogo que divirta adolescentes;
Podem pensar, à primeira vista, que sou doido desvairado
Quando eu digo, um gato deve ter TRÊS NOMES DIFERENTES.
Primeiro, temos o nome que a família usa diariamente,
   Como Pedro, Augusto, Alonso ou Zé Maria,
Como Vitor ou Jonas, Jorge ou Gui Clemente –
   Todos nomes sensíveis para o dia-a-dia.
Há nomes mais requintados se pensam que podem soar melhor,
   Alguns para os cavalheiros, outros para titia:
Como Platão, Demetrius, Electra ou Eleonor –
   Mas todos eles são sensíveis nomes de todo dia.
Mas eu digo, um gato precisa ter um nome que é particular,
   Um nome que lhe é peculiar, e que muito o dignifica,
De outro modo, como poderia manter sua cauda perpendicular,
   Ou espreguiçar os bigodes, orgulhar-se de sua estica?
Dos nomes deste tipo, posso oferecer um quórum,
   Como Munkustrap, Quaxo, ou Coricopato,
Como Bombalurina, ou mesmo Jellylorum –
   Nomes que nunca pertencem a mais de um gato.
Mas, acima e para além, ainda existe um nome a suprir,
   E este é o nome que você jamais cogitaria;
O nome que nenhuma investigação humana pode descobrir –
   Mas O GATO E SOMENTE ELE SABE, e nunca o confessaria.
Se um gato for surpreendido com um olhar de meditação,
   A razão, eu lhe digo, é sempre a mesma que o consome:
Sua mente está engajada em uma rápida contemplação
   De lembrar, de lembrar, de lembrar qual é o seu nome:
       Seu inefável afável
       Inefavefável
Oculto, inescrutável e singular Nome.


The Naming of Cats
                   T. S. Eliot

The Naming of Cats is a difficult matter,
    It isn’t just one of your holiday games;
You may think at first I’m as mad as a hatter
When I tell you, a cat must have THREE DIFFERENT NAMES.
First of all, there’s the name that the family use daily,
   Such as Peter, Augustus, Alonzo or James, 
Such as Victor or Jonathan, George or Bill Bailey –
    All of them sensible everyday names.
There are fancier names if you think they sound sweeter,
   Some for the gentlemen, some for the dames:
Such as Plato, Admetus, Electra, Demeter –
   But all of them sensible everyday names.
But I tell you, a cat needs a name that’s particular,
   A name that’s peculiar, and more dignified,
Else how can he keep up his tail perpendicular,
   Or spread out his whiskers, or cherish his pride?
Of names of this kind, I can give you a quorum,
   Such as Munkustrap, Quaxo, or Coricopat,
Such as Bombalurina, or else Jellylorum –
   Names that never belong to more than one cat.
But above and beyond there’s still one name left over,
   And that is the name that you never will guess;
The name that no human research can discover –
   But THE CAT HIMSELF KNOWS, and will never confess.
When you notice a cat in profound meditation,
   The reason, I tell you, is always the same:
His mind is engaged in a rapt contemplation
   Of the thought, of the thought, of the thought of his name:
      His ineffable effable
      Effanineffable
Deep and inscrutable singular Name.



segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Muito além do "modismo": quem confunde as palavras, confunde as coisas


RESPOSTA DO COLETIVO ZAGAIA A PEDRO POMAR ENCAMINHADA PARA O BRASIL DE FATO E CAROS AMIGOS 


Prezado Pedro Pomar
Gostaríamos, antes de tudo, de aceitar o seu convite e nos apresentar para evitar qualquer espécie de acusação de que não assumimos nossos próprios riscos. O núcleo do Coletivo Zagaia é composto por Rodrigo Suzuki Cintra, Silvio Carneiro, Thiago Mendonça, Selito SD, Leonardo França e Leandro Safatle entre outros nomes que participam do coletivo e que se não aparecem aqui é apenas por economia de espaço, pois compartilham das mesmas inquietações destes que ora assinam este artigo. Ressaltamos que na página da Revista Zagaia (www.zagaiaemrevista.com.br) sempre foi possível identificar os seus membros e convidamos tanto o senhor como os demais leitores a visitar a Revista e nosso Blog, de modo a poder conhecer o nosso trabalho.
Portanto, a insinuação de que nosso artigo era despersonalizado, de fato, não procede. E a acusação de que nos escondemos “atrás da fachada de um grupo desconhecido, o Zagaia, que se diz parte de um grupo maior, o Cordão da Mentira” é, para dizer no mínimo, fantasiosa. Se assinamos em nome do coletivo é porque todos nós concordamos com os argumentos e com a tomada de posicionamento que ali escrevemos.
Talvez seja o caso de dizer, no entanto, que nos entristece ver sua posição em relação à ideia de coletivo como algo despersonalizado. Ao contrário, acreditamos que empreender lutas coletivas é fundamental para a transformação da sociedade, transformação que sempre se renova em suas demandas. Se há despersonalização no cotidiano ela não é fruto das lutas coletivas, mas do individualismo atroz e da falta do debate de ideias.
É preciso ressaltar, porém, que este não reconhecimento do coletivo como modo legítimo de se manifestar é sintomático. Ao questionar os motivos de não assinarmos com nossos nomes e sugerir que não teríamos coragem de mostrar a nossa cara, o senhor acaba por reiterar dois dos equívocos centrais desta polêmica. Em primeiro lugar, acaba por reduzir nosso texto a uma discordância de caráter pessoal, como se nossa intenção fosse atacar a sua pessoa acima de tudo. O que não é verdade, na medida em que nos sentimos confortáveis em dizer que o antagonismo era fundamentalmente em relação ao posicionamento tomado pelo senhor ao escrever o artigo “Um modismo equivocado”. Ou seja, o senhor diminuiu a polêmica a um debate personalizado, sentiu a crítica de uma maneira muito pessoal, quando, na verdade, o que importa (ao menos para nós) é discutir a desqualificação do conceito civil‐militar como modismo. Mas, para além disso, há outros equívocos a serem delineados.
O equívoco do poder
Não se trata, portanto, de tomar partido de um senhor “arcano” ou de “determinados jovens“ como o senhor escreve, mas de sustentar esta ou aquela postura em relação ao entendimento do verdadeiro significado da ditadura civil‐militar, mais precisamente, sobre seus participantes. Este ponto, curiosamente, foi deixado de lado em sua última resposta. Mas podemos aqui recordar.
Primeiramente, quando em seu artigo “Modismo Equivocado” o senhor assinala que: “Embora todos nós da esquerda (sic) saibamos da participação civil tanto no golpe de 1964 (…) como no regime que dele se originou, também entendíamos perfeitamente que quem mandou de fato, quem exerceu o poder político, foi o Alto Comando das Forças Armadas”. Em nossa resposta, argumentávamos que esta seria uma concepção equivocada de poder, pois contraditória: afinal, Pedro, os civis participaram ou não? Como eles participaram? O problema de seu conceito de poder está no sentido de afirmar que quem manda é apenas quem o detém formalmente. Sabemos, hoje, que a rede de poderes é mais complexa do que identificarmos quem assina e quem obedece. O que as recentes descobertas da historiografia latinoamericana vêm revelando é que havia um jogo entre as partes civis e militares, para além da soberania de um dos polos. Carlos Fonteles, integrante da Comissão da Verdade, revelou, dias depois de publicarmos nossa resposta ao seu texto, um documento oficial que relaciona a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) à produção de armas para o movimento que derrubou o presidente João Goulart, em 1964. Citando relatório confidencial do SNI diz que o órgão civil teve a função de “fornecimento de armas e equipamentos militares aos revolucionários paulistas”. Portanto, desde o início, ninguém foi deixado de lado na farra da ditadura: civis e militares usaram as armas que tinham a seu alcance para derrubar toda sombra de mudança sobre o status quo.
Neste sentido, o seu argumento de que estaríamos eclipsando o campo militar no conceito “ditadura civil‐militar” é, no mínimo, falacioso. Em nossa resposta não deixamos de lado a violência militar, mas insistimos em lembrar que estavam associados até a medula aos desmandos civis. Enfim, os dois polos da equação devem ser devidamente julgados e condenados aos olhos da história.
Decerto, o senhor poderia argumentar que também não deixa de lado isso. Conforme seu artigo: “É preciso sim identificar os grandes empresários e a oligarquia que financiaram e inspiraram o golpe militar e a repressão política. Os cúmplices civis dos governos militares, os apoiadores dentro e fora da mídia. Queremos sim sua punição! Mas deimediato deve‐se identificar e punir aqueles que foram a sua guarda pretoriana, que cometeram crimes de sangue em favor do regime. Que perseguiram, trucidaram, executaram covardemente, ocultaram e destruíram corpos”. Grifamos o “imediato” pois aqui mora o que caracterizamos “peleguismo” (o que não era uma crítica à sua pessoa, mas à sua posição em relação ao fato). Não se trata de preconceito ou ódio de nossa parte, muito menos de frenesi digital, mas de colocar sob regime de suspeita tal afirmação: um ato salutar no pensamento e na ação.
Ora, seu artigo foi escrito em plena aurora da Comissão de Verdade (agosto deste ano). Portanto, não é uma peça ingênua, e procura, ao que parece, representar uma posição na ordem das investigações do comitê. Ora, por que esta ordem? Por que, primeiro investigar os militares e depois os civis, ou se ater ao primeiro grupo? Não nos venha com a conversa de que estamos querendo ocultar os militares na neblina civil, ou que estamos prestando um desserviço, por favor! Nossa suspeita, é que esta insistência acabe por fazer justamente o contrário: ao destacar os militares, satisfaça o gozo civil – e navegue tudo como d’antes no quartel de Abrantes. Deixar para amanhã o julgamento dos civis responsáveis pela barbárie é, a nosso ver, omitir‐se em relação à história. Como se o fato de financiarem torturas e assassinatos fosse secundário diante de quem as realizou. Como se desconhecêssemos como funciona a justiça e o gozo com seus bodes expiatórios. A querela entre nós parte daí.
Portanto, não é um desserviço tratar a ditadura como civil‐militar, é clamar por uma memória ampla e irrestrita dos seus crimes e criminosos. Talvez mais: retirar do imaginário popular a ideia de que a ditadura fora apenas militar. Mostrar que o sr. Marinho tem, sim, tudo a ver com o que acontecia ali; de que os Frias forneceram veículos do seu jornal para atitudes nefastas do poder, de que o sr. Boilesen da Ultragás refestelava‐se com sessões de tortura, de que a TFP foi um braço civil importante para o discurso da moral e dos bons costumes. E se, porventura, os civis foram deixados de lado pelos militares a certa altura – como você afirma em seu artigo “Modismo” ‐ nada impediu que voltassem com força total pela porta dos fundos da anistia (ou mesmo antes dela, uma vez que a anistia não é nenhum milagre jurídico, mas o resultado de acordo entre as forças militares e civis no poder). A ditadura apenas “militar” oculta tudo isso e deixa o presente nebuloso e a perversão civil, muito bem, obrigado. Eis, ao nosso ver, o desserviço de sua estratégia. Eis o que nos forçou a reagir ao seu artigo.
O equívoco da tradição
O segundo equívoco pode ser percebido logo na enunciação inicial de seu segundo texto: “Tenho 55 anos de idade e milito na esquerda há mais de 30.” Não é novidade que muitos militantes da esquerda e da direita utilizem‐se de argumentos de autoridade para sustentar sua posição ‐ o que a Zagaia desconsidera de pronto. É só que ao usar tal instrumento retórico, se reafirma, mais uma vez, o que criticamos: o uso da ideia de tradição como recurso autoritário para sedimentar maus entendidos sobre o passado.
Mais ainda, trata‐se de uma estratégia de esquiva que, ao primeiro golpe, apela aos sentimentos privados no cenário público. Artifício comum nos debates públicos atuais que, ao primeiro sinal de controvérsia, leva ao território obtuso da cordialidade e da esfera privada. Quando vamos nos livrar disso? Tudo se passa como se sua acusação de “modismo” não fosse violenta, como se não atacasse os grupos que vêm construindo esta perspectiva há anos, e sua critica fosse a mais genérica e abstrata possível! Nesta estratégia desconsidera a luta de diversos grupos importantes como a Rede Dois de Outubro, Mães de Maio, Cordão da Mentira, e também o nosso “grupo de fachada” Coletivo Zagaia. Grupos para os quais é fundamental estabelecer os laços de continuidade entre o passado e o presente.
Ao tratar o conceito civil‐militar como uma moda da estação, acaba por afirmar sua posição autoritariamente (aparentemente embasado em outros historiadores respeitáveis e em um tal de “tradição oral popular”). Prefere afirmar o imaginário equivocado que apreendemos nos grandes meios de comunicação (estes também braços civis da ditadura) do que repensar o seu conceito.
A confusão não poderia ficar mais clara no fim de sua própria resposta. O senhor chama de lixo literário (a mesma categoria que o crítico literário Zé Serra se valeu para caracterizar a Privataria Tucana) nosso artigo. De fato, preferimos a honesta crítica dos botequins. Sustenta que escrevemos contra a sua pessoa e não contra seus argumentos, e com este recurso se isenta de responder nossas críticas. Arremata: “Vamos ver, nos próximos anos, o que o “movimento histórico” dirá de tal irresponsabilidade e de tamanha falta de princípios.” Qual teria sido, exatamente, a nossa irresponsabilidade, então? Seria, apenas, a de ter contrariado suas ideias? É isso que o “movimento histórico” ensinará? Contrariar os “arcanos” não é bom negócio?
E confessamos que recebemos com estranheza o questionamento descomedido sobre nossas identidades (“Não têm coragem de mostrar a cara?”; ou ainda: “assumam publicamente o teor da carta publicada. Identifiquem‐se como autores perante os leitores.”). Ninguém na Zagaia se esconde do que faz ou escreve, participamos de diversos fóruns e discussões públicos, militamos em diversas frentes seja no âmbito da política, seja no âmbito da estética (esferas que não se dissociam para nós), mas o pedido para mostrarmos a cara lembrou um pouco aquelas investigações policialescas de quem quer saber quem é o efetivo culpado pelo crime, para, depois, puni‐lo exemplarmente. Vivemos numa democratura Pedro, basta uma rápida procura na internet para que nossas identidades venham à tona. Não somos, ainda, uma guerrilha (apesar de termos muita simpatia pelos antigos guerrilheiros).
Por fim, não se trata, é claro, apenas de um conflito geracional como o senhor sugere ao fim de seu artigo em resposta a nossas inquietações. Muitos de sua geração compartilham conosco o posicionamento de que a expressão “ditadura civil‐militar” é mais precisa para designar o que realmente aconteceu no Brasil dos anos de chumbo. É bom lembrar que não estamos sozinhos neste entendimento. Um historiador que respeitamos muito, Daniel Aarão Reis, publicou este ano um texto em que defendia idéias muito semelhantes às nossas: “são interessados na memória atual as lideranças e entidades civis que apoiaram a ditadura. Se ela foi “apenas” militar, todas elas passam para o campo das oposições. Desde sempre. Desaparecem os civis que se beneficiaram do regime ditatorial. Os que financiaram a máquina repressiva. Os que celebraram os atos de exceção. O mesmo se pode dizer dos segmentos sociais que, em algum momento, apoiaram a ditadura. E dos que defendem a ideia não demonstrada, mas assumida como verdade, de que a maioria das pessoas sempre fora — e foi — contra a ditadura. Por essas razões é injusto dizer — outro lugar comum — que o povo não tem memória. Ao contrário, a história atual está saturada de memória. Seletiva e conveniente, como toda memória.” Alípio Freire, jornalista e ex‐integrante da ala Vermelha, defende, com especial precisão e senso crítico: “Chamar o golpe só de militar camufla a questão de classe. Foi uma ditadura civil militar. É uma questão capital‐trabalho.”
O verdadeiro sentido de nossa época, ao procurar nas ruas (através do Cordão da Mentira e dos escrachos e esculachos) ou através das comissões da verdade e justiça, desvelar o que estava acobertado pelo tempo, é justamente ressignificar o que sempre se pensou de maneira tradicional. Nesse sentido, acreditamos que os usos de linguagem denunciam, profundamente, o que se entende pelo período que se quer caracterizar. A alteração da expressão “ditadura militar” para “ditadura civil‐militar” não é, assim, aleatória e parece, sim, responder aos anseios do “movimento histórico”: revisitar o passado para compreendê‐lo melhor tendo em vista a identificação de suas estruturas no presente e a construção de um futuro livre, onde a verdade possa ser conhecida por todos. Este é o real sentido de nossa atual luta pela democracia.

Coletivo Zagaia

domingo, 25 de novembro de 2012

Texto da Zagaia - a ditadura "civil-militar"


Uma resposta ao texto de Pedro Pomar


A construção da verdade ou da obrigação de combater a tradição, família e impropriedades
22/11/2012


É engraçado como a defesa de um ideal pode levar à cegueira de seu contexto. Beira quase a uma religião, com direito a discursos de autoridade para justificar sua visão numa repetição tântrica. Sobretudo quando um pretenso diálogo se inicia desqualificando como “moda” a perspectiva do outro. É o que acontece no artigo Um modismo equivocado de Pedro Pomar, onde o autor prima pela repetição ad eternum de suas "verdades" históricas através da desqualificação dos demais que delas não compartilham em uníssono.
No essencial, o texto "Um modismo equivocado" procura afirmar que a expressão “ditadura civil-militar” não passaria de um modismo, que desconsideraria anos e anos de estudos e uma pretensa tradição "consolidada!" que legitimaria o uso da expressão “ditadura militar”. É importante para o autor retirar o termo “civil” do meio de campo. Isto porque, embora reconheça o apoio cúmplice de entidades civis nacionais e estrangeiras, quem mandava matar, encarcerar e perseguir eram os militares e seus governantes. De acordo com sua retórica à moda antiga, o poder é daquele soberano identificado como o que manda, é quem assina as ordens. E neste sentido, não haveria nada no campo civil. Nos salões do poder executivo, a moda era a farda e não o terno cinza de seus cúmplices.
Claro, o autor não deixa de reconhecer, como jornalista que cumpre minimamente sua lição, o apoio de setores do capital nacional e estrangeiro. Faz parte de sua visão arcana reconhecer a ditadura como efeito do capitalismo. Lembra, inclusive, a entrada de personalidades civis no salão do Executivo, mas no período de “abrandamento”, com o presidente Figueiredo tendo como vice Aureliano Chaves (embora, estranhamente, esqueça de mencionar tecnocratas da economia como Roberto Campos e o neo-petista Delfim Neto, entusiasta dos governos Lula e Dilma. Ato falho?). Esquece que talvez o último período da ditadura seja o mais pernicioso e, neste sentido, violento, pois configurou uma anistia para os criminosos, assassinos e torturadores, e uma reconfiguração de poder em que as chagas foram escamoteadas e civis e militares envolvidos nos crimes do regime de exceção puderam seguir com tranquilidade suas vidas, numa pretensa democracia onde a ruptura com as estruturas do regime autoritário foram tênues e apaziguadoras.
Dada estas caracterizações, vamos às possibilidades esquecidas pelas "verdades" de Pomar. Se há algo que observamos neste período de abertura dos arquivos das ditaduras na América Latina é o grande lastro que a sociedade civil ofereceu aos campos militares. Não se trata apenas de um mero apoio a alguém que decide por conta própria. Trata-se por exemplo de financiamento direto à tortura, garantindo o sustento de muitos criminosos ainda hoje, como lembrou generosamente o próprio Cabo Anselmo em entrevista ao programa Roda Viva. Neste período, grandes conglomerados de comunicação se fortalecem e tornam-se hegemônicos, recebendo generosas somas de capitais dos governos autoritários, recompensadas com a exaltação ao Brasil que se formava sob a égide da caserna. É o período em que se consolidam muitos dos grupos que monopolizam as redes de informação até hoje na América Latina (no Brasil a Rede Globo, na Argentina o grupo Clarin, envolvido em sequestros de filhos de militantes desaparecidos). E por que não recordar a brutal e descontrolada invasão do capital estrangeiro em toda a América Latina, recompensa talvez aos generosos serviços prestados aos golpistas. Mais do que uma cumplicidade, elementos civis de diversas ordens, pois o capital é mais diversificado do que a estrutura militar, firmam um pacto em torno de uma sociedade baseada no progresso da indústria e no regresso da tortura. Beneficiam-se diretamente do autoritarismo, pois onde a exceção é a regra, a concentração é a norma. Esquecer este “casamento” significa apreender meias-verdades – pecado mortal para um historiador, erro de estudante de primeiro ano, falha imperdoável para quem se declara um militante de esquerda. O cidadão Boilesen agradece.
O problema central na retórica de Pomar está na concepção de poder que carrega ao separar o campo militar do civil. Se o poder é caracterizado por quem assina as ordens, então o papel da sociedade civil é necessariamente minimizado. Ora, é possível analisar o poder para além de uma relação de ordens, como um jogo de forças. Afinal, quem detinha (e detêm) os meios de comunicação, quem tornava concreto o aparato simbólico de exaltação ao regime, quem detinha os meios de produção, quem fabricava as máquinas de tortura e quem financiava os torturadores? Na visão à moda antiga, o poder militar mandava e desmandava, enquanto os cúmplices, temerosos por alguma represália, acatavam as ordens. Não havia planos da burguesia nacional e estrangeira no interior desta estrutura de poder. Daí a impressão de que os elementos da sociedade civil mais fervorosos, defensores da ditadura, eram exceções. Como se a estrutura do poder não transcorresse de um polo de forças mais amplo, mais diverso, com interesses menos monolíticos.
O Cordão da Mentira, bloco carnavalesco do qual fazemos parte, assumiu a nomenclatura “civil-militar” em seu desfile. Não porque estaria assim vestindo as cores da estação, mas porque, como sua trajetória revelou, estruturas civis existentes até hoje, como a TFP, a Folha de São Paulo e a faculdade Mackenzie foram ícones civis de apoio ao regime, e ostentam ainda respeitabilidade e poder a despeito da falta de auto-crítica à seu apoio a barbárie de nosso passado recente. Foi um ato pensado que, dentre tantos outros esculachos que assumiram também a nomenclatura “civil-militar”, na maioria promovidas por jovens que não fazem parte da geração de Pomar, refletiu uma relação histórica fundamental para compreender porque até hoje, os vínculos da ditadura civil-militar tem efeitos profundos. Queremos saber porque é tão difícil um país procurar estabelecer uma Comissão que investigue o passado sombrio de sua história. Queremos entender quais os vínculos das estruturas presentes com o passado, seja em nossos meios de comunicação, em nossos aparatos financeiro e indústrial, seja na lógica de extermínio que continua a reger o cotidiano de nossas periferias. Não é demérito do movimento querer reconhecer todos os personagens da tragédia. Também não é discordar de militantes mais aguerridos e menos retóricos, que identificam a ditadura apenas como militar. Este é um modo legítimo para codificarem suas angústias mas, ao nosso ver, insuficiente para compreendermos os impasses contemporâneos.
A reação de Pomar à nomenclatura “civil-militar" soa, enfim, exagerada. Por mais que sua retórica se dirija à defesa da Comissão da Verdade (e a Justiça??), construída a duras penas, e em início de atividades, pisando no campo minado que a ditadura nos deixou até hoje, afirmar o campo civil como parte da estrutura de poder ditatorial não é nenhum desserviço, apenas uma constatação já presente em vários países vizinhos.
Na insistência de separação entre civil e militar, num esforço dantesco que mais caberia às forças conservadoras do que à um declarado militante de esquerda, Pomar protagoniza um triste papel. Na ânsia cega de afirmar suas convicções, o oprimido torna-se mais radical do que o opressor. Torna-se surdo diante do movimento histórico e segue cantando sua ladainha. Denuncia assim os que não compartilham de suas ideias assentadas na autoridade de tempos ancestrais, assumindo a autoridade de quem detém a verdade para si e não dialoga com ninguém. Prefere atacar a nova geração do que repensar sua posição. Prefere atacar os jovens que clamam por verdade e justiça do que os aliados da ditadura, que continuam servindo-se das benesses do poder. Arroga-se para isso do discurso da tradição, posto ser neto de um dos combatentes fundadores do PCdoB (assassinado pelas forças da repressão no episódio conhecido como Chacina da Lapa).
Que virada espetacular! Típica da novela da Globo. Parabéns, Pomar, aos seus serviços! Os civis subtraídos da nomenclatura (civil)-militar agradecem à política do esquecimento. A memória seletiva será certamente recompensada. Uma nova excrecência, o peleguismo de esquerda, finca raízes na historiografia e na política, e a TFP ressurge como farsa, em seu espelho invertido à esquerda: a moda agora é Tradição, família e impropriedades!

Zagaia é um coletivo de criação, crítica e experimentação estético-política. É um dos grupos que organizam o Cordão da Mentira.

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

PALESTRA NA PUC-SP - "Shakespeare: o Direito e a Política"


Prezados amigos,

No dia 08/11/12, farei uma palestra sobre Shakespeare, o direito e a política. O outro palestrante da noite é o professor José Garcez Ghirardi. Os debates ficarão por conta dos professores Adriano Ferreira e Eduardo Viveiros.

Gostaria de convidar todos que possam se interessar pelo tema.

LOCAL: Auditório 117A, PUC-SP

DIA: 08/11/12 (Quinta-Feira) - das 19hs às 22h.30min.

Abraços!

terça-feira, 10 de julho de 2012

PALESTRA: "O direito em cena - reflexões jurídicas entre a moral e a política a partir do filme 'Tropa de Elite'"

Prezados amigos,

No dia 16/07, farei uma palestra intitulada "O direito em cena - reflexões jurídicas entre a moral e a política a partir do filme Tropa de Elite".

Gostaria de convidar todos que possam se interessar pelo tema.

A palestra será realizada na Universidade Presbiteriana Mackenzie, no Auditório da Escola Americana (Prédio 29), às 20hs. O Mackenzie fica na rua Itambé, 135, Higienópolis, SP.

A profa. Dra. da USP Elza Antônia Pereira Cunha Boiteux será a debatedora da noite.

As inscrições são gratuitas, mas limitadas. Inscrições devem ser mandadas para o e-mail: cajoaomendesjr@gmail.com

Na inscrição, mandar Nome Completo, RG, Instituição de origem e palestra que deseja participar (minha palestra corresponde ao PAINEL II). Serão atribuídos certificados de participação aos inscritos.

Mais informações no link: http://www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/FDir/2012/NPJ/Atividades_Complementares/Semana_Juridica_de_Inverno.pdf


Abraços a todos!

sexta-feira, 1 de junho de 2012

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Tradução - Poema de W. H. Auden


Funeral Blues

         W. H. Auden



Stop all the clocks, cut off the telefone,

Prevent the dog from barking with a juicy bone,

Silence the pianos and with muffled drum

Bring out the coffin, let the mourners come.



Let aeroplanes circle moaning overhead

Scribbling on the sky the message He is Dead,

Put crêpe bows round the white necks of the public doves,

Let the traffic policemen wear black cotton gloves.



He was my North, my South, my East and West,

My working week and my Sunday rest,

My noon, my midnight, my talk, my song;

I thought that love would last for ever: I was wrong.



The stars are not wanted now: put out every one;

Pack up the moon and dismantle the sun;

Pour away the ocean and sweep up the wood;

For nothing now can ever come to any good.



Blues Fúnebres

         Tradução: Rodrigo Suzuki Cintra



Parem todos os relógios, calem o telefone,

Impeçam o latido do cão com um osso para a fome,

Silenciem os pianos e com tambores chamem

A vinda do caixão, deixem que os desconsolados clamem.



Que aviões circulem no alto, um voo torto,

Rabiscando no céu a mensagem: ele está morto.

Que se coloque nos brancos pescoços de pombas coleiras pretas,

E os guardas de trânsito usem luvas de algodão negras.



Ele era meu Norte, meu Sul, meu Leste e Oeste,

Minha semana de trabalho, um domingo campestre,

Meu meio-dia, meia-noite, minha fala, minha canção;

Eu pensava que o amor duraria para sempre: Eu não tinha razão.



Não me importam mais as estrelas; tirem-as da minha frente,

Empacotem a lua, desmantelem o sol quente,

Despejem o oceano, tirem as florestas de perto:

Pois agora nada mais pode vir a dar certo.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Radiohead vs. Dave Brubeck: Genial!

Citação do mês - Mai/2012

"Voltando ao começo de tudo que converso -
Desejos e fatos correm em sentido inverso.
Por isso nossos planos nunca atingem a meta,
O pensamento é nosso, não o que projeta."
                                   Hamlet de Shakespeare