sexta-feira, 7 de junho de 2019
Lançamento de Livro de Poesia - Rodrigo Suzuki Cintra
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Geometrias de Cosmos,
Poesia,
Rodrigo Suzuki Cintra
domingo, 12 de maio de 2019
domingo, 3 de março de 2019
Tradução: Poema de E. A. Poe
Um sonho dentro de um sonho
Poema: E. A. Poe
Poema: E. A. Poe
Tradução: Rodrigo Suzuki
Receba este
beijo em tua fronte!
Partirei rumo
a um novo horizonte,
Mas confesso:
olhos nos olhos defronte –
Não erra quem
proclama que disponho
Os meus dias
como se fossem um sonho;
Se a esperança
não tem mais serventia,
Seja de noite
ou mesmo de dia,
Uma visão real
ou talvez nenhuma,
Será que tudo
não passa de bruma?
Tudo que vejo, sou ou suponho
É apenas um
sonho dentro de um sonho.
Fico parado
como que perdido
Em uma praia
qualquer sem sentido,
E seguro firme
dentro da mão
Um punhado de
areia que peguei do chão –
Poucos grãos!
Ainda assim, me atormento
Pois pelos
dedos fogem, não tenho alento,
Enquanto
lamento – enquanto lamento!
Oh Deus! Será
que não consigo conter
Nem um único
pedrisco sem sofrer?
Oh Deus! Será
que não consigo salvar
Um ao menos da fúria do mar?
Será que tudo que vejo, sou ou suponho
É apenas um
sonho dentro de um sonho?
A dream within a dream
Edgar
Allan Poe
Take this kiss upon the brow!
And, in parting from you now,
Thus much let me avow –
You are not wrong, who deem
That my days have been a
dream;
Yet if hope has flown away
In a night, or in a day,
In a vision, or in none,
Is it therefore the less gone?
All
that we see or seem
Is but a dream within a dream.
I stand amid the roar
Of a surf-tormented shore,
And I hold within my hand
Grains of the golden sand –
How few! yet how they creep
Through my fingers to the
deep,
While I weep – while I weep!
O God! can I not grasp
Them with a tighter clasp?
O God! can I not save
One
from the pitiless wave?
Is all that we see or seem
But a dream within a dream?
quinta-feira, 30 de agosto de 2018
domingo, 4 de fevereiro de 2018
O sujeito e o agir: entre a virtude e o dever / The subject and the act: between virtue and duty
Link para meu artigo na Revista Brasileira de Direito (QUALIS A1):
O sujeito e o agir: entre a virtude e o dever / The subject and the act: between virtue and duty
sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018
Vivendo em um fio de navalha: Kafka, (anti) filósofo do direito
Vivendo em um fio de
navalha: Kafka, (anti) filósofo do direito
Rodrigo
Suzuki Cintra
(A narrativa objeto desse ensaio,
pelo qual o texto inicia, está completa e foi escrita por Franz Kafka. A
tradução, intitulada “Sobre a questão das leis”, é de autoria de Modesto
Carone. Os comentários posteriores aos três parágrafos que seguem são meus e
projetam um esboço de interpretação.)
Nossas leis não são
universalmente conhecidas, são segredo do pequeno grupo de nobres que nos
domina. Estamos convencidos de que essas velhas leis são observadas com
exatidão, mas é extremamente penoso ser governado segundo leis que não se
conhecem. Não penso neste caso nas diferentes possibilidades de interpretá-las
nem nas desvantagens que há quando apenas indivíduos e não o povo inteiro podem
participar da sua interpretação. Talvez essas desvantagens não sejam tão
grandes assim. As leis são de fato muito antigas, séculos trabalharam na sua
exegese, certamente até essa interpretação já se tornou lei, na verdade continuam
a existir as liberdades possíveis no ato de interpretar, mas elas são muito
limitadas. Além do mais é evidente que a nobreza não têm motivo algum, na
interpretação, para se deixar influenciar pelo interesse pessoal em detrimento
do nosso, pois as leis foram desde o início assentadas para os nobres, a
nobreza está fora da lei e precisamente por isso a lei parece ter sido posta
com exclusividade nas mãos da nobreza. Naturalmente existe sabedoria nisso –
quem duvida da sabedoria das velhas leis? –, mas é também um tormento para nós,
provavelmente algo inevitável.
Aliás
essas leis aparentes podem na realidade ser apenas presumidas. É uma tradição
que elas existam e sejam confiadas à nobreza com um segredo, mas não se trata
nem pode tratar-se de mais que uma tradição antiga e, por sua antiguidade,
digna de fé, pois o caráter dessas leis exige também que se mantenha o segredo
da sua existência. Mas se nós do povo acompanhamos com atenção desde os tempos
mais remotos as ações da nobreza, possuímos a respeito delas registros dos
nossos antepassados, demos a esses registros um prosseguimento consciencioso e
acreditamos reconhecer nos inúmeros fatos certas normas que permitem concluir
esta ou aquela determinação histórica, e se procuramos nos orientar um pouco
por essas conclusões filtradas e ordenadas da forma mais cuidadosa em relação
ao presente e ao futuro – então tudo isso é incerto e quem sabe somente um jogo
mental, uma vez que essas leis, que aqui tentamos adivinhar, talvez não existam
de maneira alguma. Há um pequeno partido que realmente pensa assim e busca
provar que, se existe uma lei, ela só pode rezar o seguinte: o que a nobreza
faz é a lei. Esse partido vê apenas atos de arbítrio dos nobres e rejeita a
tradição popular que, na sua opinião, só traz proveitos diminutos e casuais e
na maior parte das vezes, pelo contrário, grave prejuízo, já que ela dá ao povo
uma segurança falsa, enganosa, que leva à leviandade diante dos acontecimentos vindouros.
Esse prejuízo não deve ser negado, mas a esmagadora maioria do nosso povo vê a
causa disso no fato de a tradição ainda não ser nem de longe suficiente,
havendo portanto necessidade de que muito mais nela seja pesquisado; de
qualquer maneira, por mais gigantesco que pareça, seu material ainda é muito
pequeno e séculos terão de passar antes que a tradição acumulada baste. O
sombrio dessa perspectiva para o presente só é iluminado pela crença de que
virá um tempo no qual – de certo modo com um suspiro – a tradição e o seu
estudo chegarão ao ponto final, que tudo terá ficado claro, que a lei
pertencerá ao povo e que a nobreza desaparecerá. Isso não é dito, porventura,
com ódio da nobreza – em absoluto e por ninguém. Odiamos antes a nós mesmos
porque ainda não podemos ser julgados dignos da lei. E na verdade foi por essa
razão que aquele partido – muito sedutor em certo sentido –, que não acredita
em nenhuma lei propriamente, permaneceu tão pequeno: porque também ele
reconhece plenamente a nobreza e o seu direito à existência.
A
rigor só é possível exprimi-lo numa espécie de contradição: um partido que
rejeitasse, junto com a crença nas leis, também a nobreza, teria imediatamente
o povo inteiro ao seu lado, mas um partido como esse não pode nascer porque ninguém
ousa rejeitar a nobreza. É nesse fio da navalha que nós vivemos. Certa vez um
escritor resumiu isso da seguinte maneira: a única lei visível e
indubitavelmente imposta a nós é a nobreza – e será que queremos
espontaneamente nos privar dela?
*
Escrito
inclassificável, “Sobre a questão das leis” opera nos limites fronteiriços entre
dissertação-argumentativa, ensaio filosófico e prosa narrativa, seu ritmo bem
arquitetado se resolve em meros três parágrafos, mas, apesar da economia do
texto, sua potência formal e seu conteúdo desconcertante desconstroem as
estruturas do poder por dentro. O texto se refere à uma comunidade específica (seu
povo, sua nobreza e suas leis); mas é preciso não estar entendendo nada se o
caso é o de não perceber que as reflexões do narrador, apesar de serem
particularíssimas, bem podem servir para interpretar todas as comunidades em
geral.
A
técnica de narrar é certeira e se utiliza de um duplo recurso. Ao mesmo tempo
em que tudo parece ser um mero desabafo casual de um membro do povo, certas
afirmações são por demais rigorosas para serem ditas sem caso pensado. No vai e
vem que estrutura o texto, uma forma dialética de se orquestrar o escrito, o
narrador nunca foge do tema principal, aquele que dá título à narrativa (“Sobre
a questão das leis”), se bem que constata com uma percuciência notável que a questão das leis é derivada de uma outra
questão.
A
reflexão do narrador sobre às leis pode parecer, a princípio, um conjunto de
ideias absolutamente corriqueiras sobre as características das leis de sua
comunidade, mas, com a acuidade de analista, o narrador enxerga na lei a
verdade sobre sua estrutura, função e sentido: a nobreza.
Nesse
caso específico, Kafka não brinca de esconder por trás da lei um significado
oculto ou misterioso, um inacessível do sentido; está tudo lá: o problema da
lei, no fundo, é o problema da nobreza.
Pode-se
dizer, assim, que o narrador é especialmente perspicaz: ele é aquele que sabe. Percebe
que as leis não foram feitas para o povo, percebe que são instrumentos de
dominação de classe, relaciona o conteúdo das leis ao capricho dos nobres,
pondera se as leis não são os próprios nobres em si (uma daquelas identificações
bizarras próprias ao sistema do capital), e, por fim, reflete sobre a ideia de
revolução, uma vez que acabar com a lei é acabar com a própria nobreza.
O
raciocínio que estrutura o percurso pelos parágrafos do texto é especialmente
bem construído e pode bem ser que denuncie a progressiva tomada de consciência do
narrador sobre o fundamental por trás da questão
das leis. A frase inicial (Nossas
leis não são universalmente conhecidas, são segredo do pequeno grupo de nobres
que nos domina), impregnada de luta de classes, enuncia a dominação e, não
é preciso muito, para perceber que as leis cumprem um papel importante para a
estruturação do poder na comunidade específica a que o narrador pertence.
Apesar de não serem conhecidas, as leis funcionam com perfeição para a classe
específica dos nobres. Porém, gradativamente, ao longo dos três parágrafos que
compõem a totalidade da narrativa, por meio do cálculo preciso do narrador, o
problema das leis começa a se mostrar como o problema da nobreza.
O
primeiro parágrafo do texto descreve as dez características das leis da
comunidade do narrador, são elas:
1) Secretas:
não são universalmente conhecidas, são
segredo do pequeno grupo de nobres;
2) Antigas:
essas velhas leis, As leis são de fato muito antigas, séculos trabalharam na sua exegese;
3) Efetivas:
são observadas com exatidão;
4) Interpretáveis:
diferentes possibilidades de
interpretá-las;
5) Tendenciosas:
as leis foram desde o início assentadas
para os nobres;
6) Particularistas:
a nobreza está fora da lei;
7) Parciais:
[a lei] posta com exclusividade nas mãos da nobreza;
8) Sábias:
naturalmente existe sabedoria nisso, Quem
duvida da sabedoria das velhas leis?;
9) Incômodas:
mas é também um tormento para nós;
10) Inevitáveis:
provavelmente algo inevitável;
O
curioso por trás dessas dez características que compõem a descrição do narrador
sobre as leis de sua comunidade é que nenhum desses elementos corresponde ao
discurso liberal tradicional sobre às leis. Certamente que as leis para o liberalismo
devem ser: (1) Públicas; (2) Novas (adaptadas ao progresso contínuo); (3)
Precisas (é necessário saber qual a sua função exata); (4) Interpretáveis (não
apenas pelos indivíduos da nobreza, mas passíveis de serem interpretadas por
todos); (5) Neutras; (6) Universais; (7) Imparciais; (8) Sábias (mas, de uma
sapiência que fuja ao discurso de classe); (9) Adequadas; (10) Evitáveis (o
sujeito deve ter a capacidade de se portar em acordo ou desacordo com a lei,
conforme sua livre escolha).
Logo
no primeiro parágrafo, Kafka já deixa claro que não reproduzirá o conteúdo dos
manuais protocolares de direito que dizem que a lei deve ser pública, neutra,
universal... O leitor, nas primeiras linhas, já entra de cabeça no universo
desigual da legislação daquela comunidade a qual o narrador pertence.
Nas
idas e vindas argumentativas da narrativa, podemos dizer que o narrador faz uma
abstração cada vez maior sobre a questão das leis, mas isso não leva a um
deslocamento etéreo, descolado do real. Ao contrário, com uma consciência de classe
cada vez mais aguçada, o narrador, membro do povo, vai inserindo as leis na
concretude própria das relações de poder que imperam no real. Desde a primeira
frase do texto, a nobreza não se esconde propriamente por trás das leis, isso
não é sequer necessário. A denúncia e a reflexão do narrador não vão passar
exatamente por esse argumento: são mais elaboradas.
Esquematicamente,
na lógica do primeiro parágrafo, tudo se passa como se as leis por serem
exclusividade da nobreza, servissem à dominação de classe. A lei, nesse caso, é
instrumento para a dominação do povo pelos nobres, uma vez que fica claro que a
nobreza é executora da lei. A lei, aqui, ao contrário do que ocorre com o
discurso liberal sobre a legalidade, não se apresenta como ferramenta que
permite acobertar a luta de classes inerente a um mundo em que existe o povo e
a nobreza. A nobreza, nesse caso, não se utiliza de um aparato legal
pretensamente igualitário para operar a dominação. A igualdade não é pressuposta
em nenhum momento do texto.
No
parágrafo seguinte, após algumas reflexões sobre a existência ou não das leis,
que nos enganam um pouco, mas que depois retomam o fio da meada, uma outra
ideia se apresenta. A lei não é um dispositivo que separa as classes sociais, é
o próprio capricho e interesse da nobreza. Não se trata apenas, então, de um
mecanismo de dominação. Como o que a
nobreza faz é a lei, as ações de uma classe social específica se
universalizam como se fossem ações de todos. Fica a impressão de que o capricho
dos nobres se transforma, em termos de dominação, na própria lei. A lei não
apenas separa povo/nobreza; ela, aqui, se mostra o modo como os interesses da
nobreza colonizam a conduta do povo, afinal, a nobreza está de fora da lei,
enquanto o povo deve segui-la à risca. Isso é ideológico: os caprichos são
elevados à altura de lei.
O
terceiro parágrafo arremata a coisa toda: a
única lei visível e indubitavelmente imposta ao povo é a nobreza. Agora,
não é apenas uma lei que serve à dominação de classe (1º parágrafo), os
interesses de classe elevados à potência de lei (2º parágrafo), mas sim que a
classe dos nobres é a própria lei. Em outras palavras, a única lei que impera
naquela comunidade, como em todas as outras por sinal, é a de que a desigualdade
existe e deve ser perpetuada. Dizer que a nobreza é a lei não é apenas dar
autoridade a essa classe social; é dizer que da efetividade de sua dominação
decorre a estrutura legal que torna possível sua dominação. Tudo se passa como
se pelo fato de ela mandar na comunidade toda no campo do real, automaticamente
ela manda também no campo do legal. Uma obviedade, na prática, na medida em que
a verdade da comunidade em questão é a de que existe nobreza e existe povo, ou
seja, a desigualdade é a característica principal da coisa toda.
Mas,
o narrador, membro do povo, leva ao limite sua percepção da problemática das
leis. Se ele enuncia, no primeiro parágrafo, que existem desvantagens quando
apenas indivíduos e não o povo inteiro podem participar na
interpretação das leis, situando a noção de individualidade como atributo
exclusivo da nobreza, e não do povo – uma análise bem acertada –, no segundo
parágrafo, em um lampejo de esperança, diz que haverá um tempo em que a lei pertencerá ao povo e a nobreza
desaparecerá. Isso pode parecer, inicialmente, quase que revolucionário:
leis que imperam para todos e ausência da nobreza. Porém, se levarmos às
últimas consequências a própria lógica que o narrador nos permite traçar quando
lemos essa narrativa inusitada, permeada de uma forma argumentativa que não nos
dá opção que não seja raciocinar dialeticamente, a verdadeira revolução traria,
junto com a desaparição da nobreza, a extinção de toda forma de lei.
A
tomada de consciência do narrador, sua percepção de classe, sua análise
profunda sobre a questão das leis,
não se completa, no entanto, até que ele formule uma outra estratégia. Apesar
de ser um membro qualquer do povo – um sem-nome –, é um verdadeiro analista do
poder, sabe muitas coisas e pondera sobre
a questão das leis de um modo especialmente aguçado. Suas observações são especialmente
afiadas e questionam a ordem de uma cultura inteira.
Quando
enuncia o fio de navalha em que vive o povo, quase nas linhas
finais do texto, a coisa toda ganha um novo peso. A questão se coloca de uma
maneira clara, mas, ele faz questão de sublinhar que o argumento só pode ser
expresso numa espécie de contradição.
Se surgisse um partido que rejeitasse as leis e a nobreza ao mesmo tempo, tal
partido teria todo povo a seu lado. Porém, esse partido não pode nascer porque
ninguém rejeita a nobreza. Tudo nos levaria a crer, portanto, que nada vai
mudar nessa comunidade específica.
A verdade é que somente quando esse fio de navalha for ultrapassado é que,
talvez, o narrador se liberte não só da nobreza e da dominação, mas também, de
toda e qualquer estrutura legal, que é sempre um dispositivo de classe para
organizar a servidão. O caminho da tomada de consciência completa só pode se
dar ao meio da revolução. É lutando contra a nobreza que, efetivamente, o
narrador e sua comunidade poderiam se libertar da ideologia e ter uma
consciência de classe mais plena. Aqui, algo fica evidente. No processo
revolucionário, não se tem duas etapas distintas: 1. Tomada de consciência de
classe; 2. Luta contra a nobreza e dominação. A verdade é que a revolução é
mais simples do que isso. É no próprio processo de luta que se percebe com
maior clareza contra o que se luta.
Talvez
isso apontasse para um momento pré-revolucionário ainda, em que o narrador não
estivesse de todo seguro sobre o que se deve efetivamente fazer.
Mas, o corte da navalha, de repente,
ganha gume.
Pois não é que na última frase do
texto ele introduz um novo elemento? Um escritor que, certa vez¸ teria resumido tudo de uma maneira precisa. A técnica é
estranha, no mínimo, porque estamos acostumados a encontrar escritores a
formular histórias, certas vezes, nos
começos de textos, e não ali, na última frase.
E qual é a formulação do escritor de
certa vez?
Ela começa exatamente com os mesmos
argumentos que ele dialeticamente foi construindo ao longo do texto: a única lei visível e indubitavelmente imposta
a nós é a nobreza. Não há nada de novo até aqui. O tal escritor de certa vez aparentemente não fez mais que
escrever o que nosso narrador já havia escrito. Redobro?
A sentença final, não obstante,
revigora o escrito pois adiciona um dado a mais. Será que queremos espontaneamente nos privar dela [nobreza]? Uma
palavra apenas está fora do lugar. Tem mais peso que as demais porque é escrita
com a vontade: espontaneamente. A
questão das leis, então, que tinha se mostrado ao longo de todo o texto um problema
que se referia à nobreza muda de lado. Espontaneamente
aponta, sem dúvida, para a vontade própria. Agora, a questão das leis é
questão do povo. De um texto que, inicialmente, somente constatava a ligação
lei-nobreza, um texto meio que ultra-reflexivo, passamos a um novo convite.
Pela própria conta e risco do povo,
será que não está na hora de agir?
Talvez esse seja o fio de navalha mais contundente da
reflexão do narrador. O limite entre nobreza e povo é o limite da revolta.
Então, continuar por mais um parágrafo ou mais uma linha não é apenas
desnecessário, é a derrota, pois seria, de certa forma, admitir que nada poderá
mudar.
***
1. O
narrador termina com um corte que não é apenas preciso, é esperançoso até. Sua
última dúvida aponta para um lugar absolutamente relevante para a estruturação
do escrito, pois, o inverte. Agora, pela primeira vez, ele está falando do
povo. Se ele continuar a refletir, nada mudará, é evidente. Então, ele pára!
Mais uma palavra e tudo estaria perdido. Sua ponderação final é o verdadeiro
fio de navalha: uma vez que todo povo sabe
que a verdade da dominação é a nobreza, por que não subtraí-la definitivamente da comunidade em questão?
***
2. Kafka,
mais uma vez, sugere o cálculo imponderável: uma forma do saber que é menos
poder. “Sobre a questão das leis”, o escrito, é afiado no melhor de uma
dialética literária. Existe espaço de sobra para uma utopia que, obviamente,
opera sempre meio que às avessas em seu funcionamento, ou simplesmente tarde
demais. Em Kafka, até o sentido da utopia passa por uma utopia do sem-sentido.
Pode não parecer, porém, há algo de esperança mesmo nisso. E o desfecho dessa
história nos parece desconcertante não tanto porque não a compreendemos, não
sabemos, mas, porque já não podemos. Isso é quase nada, e no entanto, apenas na
frase final, repetição do pressentido, surge o momento do agir – estranho modo
de contar uma história da liberdade. Tudo começa pelo final, e ainda assim, a
tragédia é que lá no começo, do texto e das leis, deveríamos ter negado o
próprio escrito, aproveitando o instante para cortar com navalha afiada a
garganta dos canalhas.
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Esse texto foi apresentado no XXVIII Congresso Mundial de Filosofia do Direito e Filosofia Social (IVR), em Lisboa, julho de 2017 e foi publicado na Revista Sibila - revista de poesia e crítica literária - em 01/02/2018.
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segunda-feira, 6 de novembro de 2017
Tradução - Poema de W. B. Yeats
When you are old
W. B. Yeats
When you are old and grey and full of sleep,
And nodding by the fire, take down this book,
And slowly read, and dream of the soft look
Your eyes had once, and of their shadows deep;
How many loved your moments of glad grace,
And loved your beauty with love false or true,
But one man loved the pilgrim soul in you,
And loved the sorrows of your changing face;
And bending down beside the glowing bars,
Murmur, a little sadly, how Love fled
And paced upon the mountains overhead
And hid his face amid a crowd of stars.
Quando
velha
Tradução: Rodrigo Suzuki
Cintra
Quando velha e grisalha e
cheia de sono,
E cochilando ao fogo,
resolver esse livro pegar,
Lendo-o lentamente,
sonhando com o doce olhar
Que costumavas ter, com
suas sombras de abandono;
Quantos amaram teus
momentos de imensa graça,
E amaram, de verdade ou
não, tua beleza,
Mas apenas um homem amou
tua tristeza,
E amou os sofrimentos de
tua face em mudança;
E ao dobrar-te sobre as
brasas para vê-las,
Murmurar, quase infeliz,
como voou o amor radiante,
Passou por cima das
montanhas logo adiante,
E escondeu sua face ao
meio de um milhão de estrelas.
domingo, 30 de julho de 2017
Roda de Bicicleta, 1913 (Duchamp) Ou À Sombra da Arte de Obra
I
A arte é tudo que for o caso.
Esta roda de bicicleta disposta sobre
um banquinho branco é perfeitamente inútil. Este
banquinho branco sob uma roda de bicicleta é perfeitamente inútil.
Talvez tivessem utilidade prática como
objetos de indústria se estivessem separados, mas daí não fariam uma sombra,
dependendo do ângulo da luz, absolutamente improvável.
Se os bancos servem para se sentar e as
rodas de bicicleta para se mover, existe algo nesta construção que não leva a
nenhuma dessas possibilidades. Esta montagem é contraditória: há algo nela de
potência de movimento, mas está profundamente inerte.
Não é bem uma escultura o que se
propõe, apesar de situar-se no espaço. É um evento singular. Um evento do novo.
Na física, os eventos são quadridimensionais. Somam à altura, à profundidade e
à largura, o tempo. Os eventos situam hora e local. Esta Roda de Bicicleta é um evento malcriado. Situa-se no espaço, mas
nega a inércia e também o movimento. Seu tempo é sempre o do instante. Mas, bem
pode ter sido ontem e, sem dúvida, persistirá para amanhã e depois.
Sem ser escultura, a montagem, que não
tem assinatura aparente, causa impacto por ser, em sua materialidade dos usos
cotidianos, apenas uma justaposição vertical. Trata-se de um deslocamento, este
de ser outra forma de arte, que devolve a ela a sua dimensão mais importante:
um certo ar de escândalo. Sua força artística está em uma rejeição: se nega a
ser objeto de consumo ou de indústria, apesar de ser composta por elementos de
consumo e indústria.
É só uma ideia.
A luz do ambiente, com o passar do dia,
provoca transformações na sombra desta peça. É curioso olhar para arte por meio
de sua sombra. Há algo de original nisso também. A luz, dependendo do horário,
incide sobre a montagem com ângulos e intensidades diferentes. O que provoca as
mais variadas formas de distorção em sua sombra. E pode se ter a nítida
impressão que a obra tem vida; pois sua sombra se movimenta, aumenta de
tamanho, diminui, fica mais evidente ou se apresenta quase como uma mera
sugestão de sombra.
Olhar para essa justaposição inaugural
de um novo modo de fazer arte, por meio de sua sombra, é como que investigar os
rastros que formalizaram a estrutura como ela é. Escura, mutável,
irresponsavelmente avessa à ideia de representação dos elementos da composição,
a sombra, misteriosa, sempre nos prega peças se o caso é tentar entender a obra
a partir dela.
A sombra é estar ali e aqui.
A
sombra é um antes e um depois.
Um banquinho e uma roda de bicicleta
são o que são e ainda assim.
II
Uma
roda de bicicleta preta é uma roda de bicicleta preta.
Um
banquinho branco é um banquinho branco.
Uma
roda de bicicleta preta em cima de um banquinho branco não é uma roda de
bicicleta preta em cima de um banquinho branco.
III
Não podemos sentar nesta roda de
bicicleta ou pedalar de banquinho. Juntos, estes dois elementos são, em
verdade, um novo elemento.
Quem sabe alguém que passe andando por
esta estrutura se negue a perder tempo para entendê-la. Quem sabe a peça não
desestabilize mais as formas prontas dos críticos mais respeitados. Talvez as
crianças desejem brincar com a coisa toda e os adultos, secretamente, pensem
serem capazes de criar coisas do gênero.
Dizem que é perfeitamente possível
repetir esta montagem infinitamente. Um diâmetro de roda de aproximadamente 64
cm. Um banquinho de aproximadamente 60 cm. E basta colocá-los na posição
indicada. O seu truque escapa à lógica da arte tradicional que evita a
imitação. Pois, trata-se, em todo caso, sobretudo, de um conceito.
É claro que ocorre de imitadores
fazerem justaposições variadas de outros objetos de indústria, às vezes, até
mesmo elaboradas, porém, dificilmente conseguem o mesmo efeito.
Escritores excêntricos tentam, sem
sucesso, descrevê-la da melhor maneira possível. Há sempre uma perda.
Obviamente, como não poderia ser de outro modo, algo escapa às palavras e tudo
que se pode fazer é contemplá-la.
Mas,
um pensamento radical é deixar a Roda de
Bicicleta como está. Perdida em um dos salões de galeria. Apenas mais uma
peça entre peças. Deixá-la, ali, esquecida em sua improbabilidade.
Deixar
que a luz do ambiente modele sua sombra. Aguardar que a luz solar projete no
chão e na parede uma imagem como em um relógio de sol.
E,
inevitavelmente, perceberíamos em sua sombra o movimento lento do objeto
estático. Criando caso, certamente, pois, em verdade, sua sombra é, sempre, um
momento do agora.
IV
A
sombra da roda de bicicleta preta não é a roda de bicicleta preta.
A
sombra do banquinho branco não é o banquinho branco.
A
sombra de uma roda de bicicleta preta em cima de um banquinho branco é uma roda
de bicicleta preta em cima de um banquinho branco.
V
Já
pensei, algumas vezes, em tentar derrubar a famosa justaposição. Duvido que a
roda de bicicleta esteja solta sobre o banquinho. Civilizado, quando a vi pela
primeira vez, tentei soprar o mais forte que conseguia, um sopro de plenos
pulmões, para ver se a estrutura se movia de algum modo.
Mas,
a roda simplesmente não se movimentava.
Depois,
acabei por perceber que, mesmo que conseguisse destruir a lógica da estrutura,
sua sombra provavelmente não se alteraria. Ficaria ali, enigmaticamente, colada
ao chão.
Trata-se
de uma obra que não proporciona qualquer concessão. O sucesso na destruição em
nada modificaria a sua força e o seu alcance. Sua sombra já estava impressa na
minha mente e na história da arte.
Curiosa
maneira de perceber que a arte é uma forma absoluta de dizer “não”.
sábado, 1 de julho de 2017
Citação do mês - Jul/2017
"É preciso ter uma ideia do que se irá fazer. Mas deve ser uma vaga ideia"
Picasso
réquiem para um poeta vivo
Decidi escrever sobre o filme “Ferroada” (2016) de Adriana Barbosa e Bruno Mello Castanho. Não pensei em escrever sobre o filme após ter assistido. Era enquanto assistia, no meio da platéia do cinema, que minha imaginação se movimentava. O filme é sobre um poeta, um coveiro: um homem. Comecei por tentar escrever uma crítica formal, bem cortada, elogiosa. Desisti. Resolvi escrever uma crítica ao filme via poesia. Achei que era uma forma de respeito, de certa maneira, ao próprio personagem principal. Também, é claro, aos cortes da montagem dos diretores. Pode acontecer, às vezes, de uma forma de arte impulsionar outra. Se o filme sobre o Tico saiu de sua literatura indo parar nas telas, agora, devolvo imagens em letras. Mas, faço isso a meu modo: com cortes que emendam as imagens… no mundo da vida.
réquiem para um poeta vivo
para Tico
embora palavras
não passem
de nuvens
ainda que
formatos indeterminados
do imaginário
discordem tolos
teimando contornos
meramente sugestivos
fugidios da
primeira arquitetura
*
dos símbolos
também agulhas
podem ser
pois picam
alfinetam juízo
coçam por
dentro a
tragédia infinita
anunciado assassinato
no texto
difícil do
golpe arriscado
*
da escrita
talvez lápides
obras invisíveis
mas sempre
vermelhas como
virgulas suicidas
do mergulho
do ferrão
certa loucura
mistura nariz
de palhaço
no veneno
*
de escorpião
pudera conceitos
dessem conta
enquanto letras
que enterram
a música
interna do
sentimento quando
silêncio um
grito pressentido
acorde final
ferroada poética
*
de marimbondo
naqueles signos
construções narrativas
onde veículos
fatais se
movem sempre
ou nunca
via contramão
o caso
daquele homem
argumento de
si mesmo
*
do não
nas imagens
sempre algo
de morte
estrutura a
nebulosa arte
do sonho
ressignifica mundo
num blefe
o último
da forma
dialética
*
de vagabundo
Esse poema foi publicado na Revista Zagaia, em junho de 2017.
Labels:
Cinema,
Poesia,
Rodrigo Suzuki Cintra
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