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sábado, 15 de novembro de 2014

Palestra: "Marxismo e Direitos Humanos"


Prezados amigos,

Farei palestra na Faculdade de Direito do Mackenzie (Unidade Campinas) no dia 19/11/14, às 19hs.

O título de minha comunicação é: "Marxismo e Direitos Humanos".

Convido todos que possam se interessar pelo tema. Especialmente meus amigos de Campinas. Será uma boa oportunidade para nos reencontrarmos.

Abraços!

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Pinheirinho - entre o Direito e a Política

Duas questões jurídicas e políticas essenciais incomodam no que diz respeito à desocupação do terreno do Pinheirinho, em São José dos Campos.


A primeira diz respeito ao conceito de técnica jurídica, a segunda, ao Estado de Direito.


Alguns juristas têm apontado que a decisão jurídica que autorizou a saída forçada das famílias da região, por meio de força policial, é tecnicamente irrepreensível. É preciso, então, retomar o que se entende por técnica jurídica e perguntar, até mesmo, no limite, qual é a finalidade última do Direito.


Se por técnica jurídica se compreender uma leitura infraconstitucional, meramente civilista, desconectada de uma concepção constitucional e humana de Direito, talvez a decisão seja realmente acertada. Ocorre que a correta técnica jurídica não consiste em simplesmente aplicar normas jurídicas, como por exemplo, a que diz respeito ao direito de propriedade, de maneira descontextualizada como se o direito fosse um mero jogo de encaixar, ou seja, aplica-se a norma fria, sem se preocupar com as consequências sociais e também sem se compreender o direito como um sistema de normas e não como uma mera soma de dispositivos normativos. Não se pode interpretar o direito de maneira fragmentária, interpretando partes dos códigos como se fossem o todo, ao sabor de interesses políticos altamente questionáveis.


Assim, mesmo o direito de propriedade, pedra angular de todo o sistema jurídico capitalista moderno, deve obedecer uma lógica interna dentro do sistema jurídico que estabelece, entre outras disposições, a lógica de sua função social. Além disso, é preciso atentar para o fato de que uma decisão jurídica não é uma mera assinatura em um pedaço de papel. Ela tem impacto social e significa, verdadeiramente, uma mudança na vida de pessoas de carne e osso. Assim, a chamada técnica jurídica não pode estar, de forma alguma, desconectada das consequências sociais da decisão. Não é uma correta técnica jurídica, então, simplesmente aplicar uma norma se esquecendo dos resultados que possivelmente decorrerão da decisão. O Direito deve servir as pessoas, não as pessoas devem servir ao Direito.


Qualquer interpretação jurídica que não se guie pela dignidade da pessoa humana, pelo valor do indivíduo socialmente pensado, não pode ser correta do ponto de vista técnico. É sintoma de nossos tempos acreditar que é tecnicamente correta a decisão que promova desabrigar nove mil pessoas para possibilitar um suposto direito de propriedade de alguns. A questão é que 180 milhões de reais parecem valer mais que a dignidade de abrigo destas pessoas. Simples assim.


Aos juristas que, então, elogiam ou se contentam com esta técnica jurídica específica, é bom dar um recado: não existe técnica sem ideologia.


No que diz respeito ao Estado de Direito, conceito que serve aos mais variados propósitos, a questão não é menos desconcertante. Algumas pessoas acreditam, infelizmente, que se uma decisão não for cumprida, custe o que custar, o Estado e suas estruturas não estarão seguros. A segurança jurídica, para alguns, é valor dos mais caros. Isto também é sintoma de nossos tempos. Voltar ao mote: “ordens são ordens”.


O que se deve questionar, na verdade, é outra coisa.


Qual o valor real que devemos perseguir quando falamos em Estado de Direito?


Trata-se de um conceito que aponta para a segurança das instituições socialmente estabelecidas e, assim, deve ser preservado via força policial ou para os direitos das pessoas a terem uma vida digna? Não pode existir um Estado de Direito que desrespeite a dignidade da pessoa humana. Quando o governo estadual decide, via força policial, retirar as pessoas de suas casas para fazer cumprir uma ordem judicial nós não estamos diante de um problema que simplesmente possa ser resumido como “cumprir a lei”. Isto porque, na verdade, cumprir a lei, neste caso, parece ser exatamente o contrário: não retirar as pessoas de suas casas, não permitir que a especulação imobiliária seja maior que a vida.


A verdadeira segurança jurídica é a que promove direitos, não a que possibilita privilégios.


Tomando por base as recentes ações policiais que vemos na mídia, requisitadas pelo governo estadual sob a suposta alegação de “cumprimento da lei”, podemos dizer que, talvez, nós nunca estivemos tão inseguros. 


É preciso, a todo momento, lembrar que a segurança de alguns, possibilitada pela intocável política de preservação da propriedade privada significa, para todos os demais, a mais completa insegurança. As notícias de que as famílias que habitavam a região do Pinheirinho estão em situação degradante, completamente desamparadas pelo mesmo Estado que as desabrigou,  devem causar revolta em qualquer um que realmente acredite em um Estado de Direito.


No fundo, a insistência em retomar a ideia de técnica jurídica e a de Estado de Direito como conceitos que devem organizar a vida social tem uma função bastante clara, no que diz respeito ao incidente em Pinheirinho: legitimar a injustiça. E, assim, mais uma vez, o governo estadual nos obriga a repensar a questão que realmente importa no que diz respeito à relação entre política e direito: afinal, de que lado nós estamos?  

sexta-feira, 29 de abril de 2011

A BURCA E OS DIREITOS DAS MULHERES


Não há duvida de que quando falamos em diferenças culturais estamos em terreno escorregadio. Para além de qualquer análise antropológica, qualquer pessoa razoavelmente sensata percebe que o outro, aquele que não compartilha dos mesmos pressupostos culturais que nós, deve ter suas tradições preservadas. De fato, sempre que uma cultura tenta intervir em outra a tendência é ocorrer choques, tensões e, não raro, o velho colonialismo que aparece como discurso civilizatório.
Mas existe algo de esquizofrênico no debate atual sobre a proibição da utilização da burca e do niqab na França. Acabamos lendo discursos inflamados a favor da liberdade de expressão religiosa, discursos um pouco estranhos, para dizer o mínimo, na medida em que são sustentados por argumentos da ordem dos direitos humanos. Para falar a verdade, falemos diretamente: existe um consenso quase que unânime na esquerda de que o governo francês, de direita, ultrapassou os limites do razoável e está apenas perseguindo uma certa religião tida como perigosa para os valores ocidentais.
Ocorre que colocar a palavra burca e a palavra liberdade na mesma frase é muito mais perigoso do que parece. Ainda mais no caso de sustentar tal direito a se vestir como se queira como manifestação calorosa de garantia de direitos humanos.
A burca e o niqab são, sim, manifestações culturais e religiosas. Mas não são manifestações apenas culturais, são manifestações de subserviência cultural. Representam uma cultura que inferioriza, e isso ninguém pode negar, as mulheres. Trata-se, e aqui vamos ser um pouco generalistas, de uma cultura que prevê o apedrejamento até a morte de uma mulher que for considerada adúltera.
Será que o sistema dos direitos humanos pode ser relativista até o ponto de aceitar qualquer manifestação que degrada a mulher como mero símbolo de diferenciação cultural?
A liberdade religiosa, o Estado laico, a tolerância são historicamente batalhas dificeis que o Ocidente enfrentou, mas que acabaram dando o tom da dimensão religiosa minimamente aceitável dentro de Estados que respeitam os direitos humanos. No Ocidente, uma religião que se dispusesse a sacrificar criancinhas toda sexta-feira à noite para louvar os deuses certamente seria intolerável. Isto porque o regime da tolerância, desde sua formulação lockiana, não pode tolerar qualquer coisa. Existem questões que são intoleráveis, que não estamos dispostos a abrir mão em nome da diferença cultural.
Dilacerar o órgão genital feminino pode até ser um ritual de muita importância em certos lugares, verdadeira tradição, mas acreditamos que seria completamente insustentável, tal qual o apedrejamento até a morte, em nosso sistema jurídico.
A burca, e aqui pedimos licensa aos linguistas, não é um mero signo da opressão. Outros signos, como o crucifixo e o quipá poderiam, talvez, serem considerados opressivos, dependendo dos limites de cada um. A burca, no entanto, não é signo da opressão: ela é o próprio objeto que oprime.
A igualdade de todos é principio essencial de qualquer democracia e requisito primordial de Estados comprometidos com os direitos humanos. É, inclusive, o pressuposto jurídico da liberdade religiosa. As religiões têm o mesmo valor, em um Estado laico, porque são consideradas iguais, sendo justo qualquer caminho que os homens busquem para chegar aos céus. Porém, ao colocar a mulher como ser inferior ao homem, e em alguns casos, até como impura, não estamos jogando a lógica da igualdade.
Poderia-se objetar que quase todas as religiões fazem distinções entre homens e mulheres. Isso é verdade. Mas a consequência lógica disso não é que, portanto, nada devemos fazer. Pelo contrário, está mais do que na hora de colocarmos esta questão em debate.
Talvez, um dia, comecemos a debater a vestimenta de freiras, padres e monges. O debate que se coloca diante da sociedade, no entanto, vai além da lógica da idumentária religiosa. Trata-se de uma questão de direito. E não é porque não discutimos estas vestimentas que devemos também não discutir a burca utilizada pelas mulheres. A agressão, nesse caso, é estendida a todas, não importando o grau de relacionamento que queiram ter com a divindade. As freiras, por outro lado, escolheram dentre inumeras possibilidades de vida a via religiosa.
A história, nessa discussão, nada explica. A tradição não aponta para valores positivos que devem ser levados em consideração como requisitos fundamentais da identidade de uma cultura. Se é verdade que a burca tem toda uma história tradicional que sustenta a sua utilização, por outro lado, essa história é a do mais puro preconceito, uma história com a qual não devemos compactuar. A história não pode servir de argumento para a  legitimação da iniquidade.   
As mulheres sabem melhor o que tudo isso significa. É o velho, tradicional e cultural machismo o que está em jogo. Argumentar que, no caso islâmico, elas usam porque querem, é tripudiar sobre a inteligência das mulheres. No mínimo, caso se visite por turismo o Afeganistão, as mulheres teriam problemas com suas vestimentas – a cultura local não abriria exceções para as ocidentais que seriam tidas como impuras, pervertidas e assim por diante. Por que, então, em um Estado que pretenda cumprir os direitos humanos as mulheres teriam que obedecer a lógica da diferença de gênero e da submissão?
Não se trata, em todo caso, de proteger as mulheres que usam a burca contra si mesmas. A liberdade de usar esta idumentária é uma falsa liberdade. Tudo se passa como se o discurso dos direitos humanos dissesse: “está vendo, somos tão libertários que até permitimos que vocês demonstrem sua cultura machista.” Que espécie de liberdade seria essa de se utilizar como roupa justamente o que oprime?
A diferença é um valor a ser preservado, quanto a isso não há duvida. Desde que não signifique desrespeito à igualdade jurídica de todos. O limite entre o aceitável e o inaceitável muitas vezes fica obscurecido quando tratamos de questão tão difícil e importante para a discussão de valores humanistas. Os direitos humanos, no entanto, não servem apenas como abstrações. Devem representar politicamente e juridicamente a dignidade de todas as mulheres. A verdadeira liberdade de usar qualquer vestimenta, por mais curioso que pareça, para as mulheres que eram obrigadas a usar a burca por questões culturais, é fruto de uma lei que proibe a utilização de uma espécie de vestimenta. Não existe, de fato, liberdade de escolha para as mulheres muçulmanas se não se dispor de uma lei sobre o assunto. O universo familiar, as amarras culturais, as obrigações religiosas impediriam esta mulher de escolher efetivamente o que pretende usar como roupa nas ruas. É a escolha da não-escolha, argumento insustentável do ponto de vista de uma verdadeira liberdade.  
O discurso que denuncia a burca como símbolo de opressão não é novo e também não constrói seu estatuto nas bandeiras tradicionais do feminismo. É a feminilidade que está em jogo. Mas a feminilidade que toda a mulher tem direito. O que os homens precisam perceber é que as diferenças que realmente importam não discriminam, de forma alguma, a mulher enquanto ser inferior. Pelo contrário, constroem a sua identidade própria.
O caso, também, não pode se limitar simplesmente a ideia de que a mulher com o rosto coberto representa um perigo para a segurança pública. Pensar assim é diminuir a questão. O problema não é o de identificar o inimigo, mas sim o de permitir a mulher formar e criar a identidade que bem quiser para si mesma. As roupas, assim, se mostram elementos de diferenciação em que cada uma das mulheres escolhe, de verdade, o que usar. Em outras palavras, o caso não diz respeito a segurança do Estado francês, mas aos direitos das mulheres que habitam a França.
É claro que os conservadores franceses adoraram a nova lei. Para eles, no entanto, não é uma questão de princípios, é puro preconceito e xenofobia. No entanto, para criticarmos tal governo, não podemos abrir mão da verdadeira igualdade entre os sexos, da liberdade que não dá tiro no próprio pé. A única saída viável da esquerda atual, nos parece, é sempre não admitir relativismos no que tange aos direitos humanos.