Entre o claro e o escuro há um pouco de
corpo. No escuro, nada podemos ver; no claro, vemos demais.
O
erotismo é uma arte traiçoeira. Pode parecer, à primeira vista, que consiste em
mostrar sem revelar a imagem por completo, mas, na verdade, consiste em um jogo
de esconder. É o que se oculta que provoca o desejo, não o que se mostra
visível.
Esta
fotografia, no entanto, é erótica às avessas.
O
corpo se contorce e dobrando-se sobre si mesmo dá a impressão de uma posição
que, se não for impossível, é certamente improvável. Toda a obscenidade da
imagem não está no que não vemos. De maneira desconcertante, é exatamente o que
encobre os orifícios deste corpo o que faz a imaginação flutuar. O inusitado é
que, neste caso singular, o que se vê claramente é que remete ao erótico.
Pois,
há algo de excessivo em todos aqueles dedos.
Os
orifícios cujas imagens nos são negadas, que poderiam apontar para o apelo
sexual do instantâneo, não são, a bem da verdade, o que importa na
representação. São os dedos, escancaradamente nítidos, que provocam o
pensamento a tomar certas formas mais sensuais.
Os
glúteos, são excessivamente redondos. Também são demasiadamente brancos.
Lembram uma maçã que perdeu a cor. E na composição da totalidade da imagem,
junto aos dedos que estão em escala de cinza, correspondem a uma corporalidade
quase que meramente sugerida. Mas, a imagem está perceptivelmente completa,
mesmo que tenha algo de menos corpo no que foi retratado.
Os
pés estão juntos, mas os vemos pela metade. Estão profundamente inertes. É a
sombra dos glúteos o que os coloca no limiar entre o claro e o escuro. Porém,
podemos ver todos os dedos. Existe algo de profundamente obsceno em tentar
contá-los. É no momento exato em que examinamos se todos os dedos estão
aparentes que somos pegos por uma sexualidade menos sutil e mais evidente. Todo
escândalo que advém desse jogo de somar os dedos dos pés consiste,
paradoxalmente, no fato de que, nesta imagem, é o esforço de minúcia, que induz
ao sexual. Na foto, os pés e as mãos são de uma nudez mais provocativa do que
os orifícios que tentam esconder. É preciso perceber isso. Por trás das mãos e
pés, que inclusive nos enganam quando pretendem não ter nada a ver com a
posição corporal inusitada, algo de sexual se insinua.
O
sexo está no detalhe.
As
mãos que pretendem esconder os orifícios são quase que exclusivamente dedos.
Dedos que, ao contrário dos pés, podem se movimentar. A imagem é estática, como
não poderia deixar de ser, mas, o sugestivo está justamente em imaginar estes
dedos em movimento. Dedos que tentam nervosamente esconder o sexo. Existe,
inclusive, uma vontade de que os dedos, dada a posição que estão, não consigam
cumprir seu papel no jogo de esconde e fiquem se movimentando, uma mão sobre outra,
de modo que quando conseguem cobrir uma parte do sexo, acabam, invariavelmente,
por deixar outra parte comprometedora descoberta.
Além
disso, não é exatamente alguma forma de toque o que precipita uma fantasia mais
imaginativa. É a disposição dos dedos.
Dedos
sobre dedos.
As
mãos podem até ser nervosas, mas os pés são calmos. Reclinado como em uma forma
de reza, o corpo é contraditório. Os pés juntos, com seus múltiplos dedos,
podem até sugerir ave-marias se o caso fosse o de rezar. Se não provocassem,
maliciosamente, na sua visão, certa inclinação para verificar se todos os dedos
estão realmente ali. Mas as mãos, com a sobreposição de dedos sobre dedos,
denunciam evidentemente, certas vontades menos religiosas.
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