segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Os Pássaros de Kafka - parte 1


Os pássaros de Kafka


I – O sentido da liberdade


Uma gaiola saiu à procura de um pássaro.

Franz Kafka, Aforismos


A frase propõe uma imagem inusitada. Não é próprio da natureza das gaiolas se moverem, são objetos inanimados, e, menos ainda, saírem a procurar justamente o que vão oprimir. Mas, é claro que em Kafka, isto explica pouco. Alguns de seus objetos têm uma tendência a se comportar de maneira mais viva, assim como seus animais também podem expressar características humanas. Neste caso, porém, a postura da gaiola nos incomoda profundamente. De certo modo, se os pássaros inicialmente apontam para a liberdade, uma vez que podem voar, as gaiolas representam as estruturas fixas que prendem, que cerceiam, que impedem voos maiores. No entanto, na frase, tudo se dá como se as gaiolas, que normalmente são imóveis, pudessem empreender efetivamente deslocamentos. E contrariando uma inércia essencial, esta estranha gaiola, um arcabouço de aprisionamento, parece sair atrás de seu próprio prisioneiro.

Esta absurda caçada, no entanto, é ainda mais intrigante do que inicialmente se supõe. Não se trata de procurar o pássaro, como se na lógica desta busca insólita, pelo menos esse animal fosse culpado por alguma espécie de desvio. Tudo leva a crer que a gaiola saiu para prender um pássaro qualquer. Como se o que importasse fosse cumprir com sua função de prisão, mesmo que para isso precise encontrar um pássaro aleatório, que não tenha feito nada demais – exceto, talvez, voar. A estrutura de dominação precisa obrigatoriamente funcionar, neste caso, pouco importando a existência de alguma espécie de motivação ou justificação. Talvez por isso também seja possível identificar algo de burocrático na frase. Na imagem que elaboramos ao tentar representar o sentido do aforismo, a gaiola parece ser mais importante que o pássaro. Uma estrutura pronta que lhe é superior, e que acaba por operar uma lógica altamente complexa ao alçar voo, apesar de aparentar sair à procura de um pássaro distraidamente.

Nesta imagem desconcertante, a essência da natureza dos pássaros, que é a liberdade de poder voar, fica até diminuída frente à possibilidade de voo da gaiola e o que isso significa. Pois, o estranho e o que perturba prontamente na frase não é, na verdade, a imagem de um pássaro encerrado dentro das grades de uma gaiola – imagem que, infelizmente, estamos acostumados –, mas a ideia de que essa estrutura de aprisionamento possa se mover e opere uma perseguição gratuita a um ser que se encontre livre. Isto aponta para algo extremamente opressor nesta história que é contada em uma única linha, e que de certa forma, acaba por nos levar a perguntar: não é assim mesmo que funcionam as nossas estruturas de dominação? Talvez o que incomode mesmo no aforismo seja menos a sua violência, apesar dela ser absolutamente devastadora, mas a certeza de que, de algum modo, a frase está colada irremediavelmente ao real. É claro que se trata de uma situação bizarra, como qualquer um pode notar, e é justamente por isso que parece ser plenamente possível que aconteça.

Em um caso como esse, ao contrário do que se poderia imaginar, toda a impostura parece vir, na verdade, dos pássaros. Existe um atrevimento em se propor a alçar voo. Bem pode ser que uma gaiola, inexoravelmente, já estivesse destinada a algum deles por princípio – quem garante que voar, em si mesmo, já não constitui alguma espécie de culpa? Mas, quanto a isso, é óbvio que não podemos ter certeza. Kafka jamais seria claro a respeito disso. A única coisa que parece ser correta é que não são os pássaros que tornam necessárias as gaiolas para aprisioná-los, mas o contrário, a existência das gaiolas é que viabiliza uma potencial liberdade aos pássaros. Reverso de mundo, em Kafka, a opressão é anterior à liberdade.


II – O céu-deserto


As gralhas afirmam que uma só poderia destruir o céu. Não há dúvida quanto a isso, mas não prova nada contra o céu, pois os céus significam justamente: impossibilidade de gralhas.

Franz Kafka, Aforismos


            A sequência das frases é precisa e resolve todo o problema da liberdade em apenas duas afirmações. Metáfora de nós mesmos, as gralhas de Kafka simbolizam nossas pretensões e limitações neste aforismo singular que opera uma lógica que a princípio parece contraditória, mas que no fundo, é verosímil apesar de ser perversa. Na primeira frase, temos a impressão de que as gralhas têm uma liberdade plena. Desafiam o ambiente em que podem empreender o voo. Uma forma de ser livre absoluta, maior que o próprio céu, pois decorre de um princípio de natureza primordial. Mas, claro que isso é meramente o discurso das próprias gralhas, o nosso discurso. Animais que, pelo que podemos perceber ao ler a primeira frase do aforismo, estão corretos em sua afirmação pretensiosa - destruir o céu. O que não significa efetivamente a concretização do próprio voo. Porém, é na segunda frase que o aforismo se resolve. Sem maiores avisos, essa frase contraria prontamente a lógica da frase anterior e finaliza a questão quase que com uma sentença de caráter moral: os céus significam justamente: impossibilidade de gralhas.

Curiosa maneira de nos fornecer imagens. Em um primeiro momento, após a leitura da primeira frase, enchemos o céu de pássaros. A imagem de uma única gralha, inclusive, a voar livremente pelo céu, nos autoriza a pensar em um mundo em que a liberdade é plena. Porém, a segunda frase, por meio de uma conclusão lapidar, nos desorienta. A sentença faz mais que meramente dizer que as gralhas não podem voar livremente. É uma afirmação que estabelece o próprio sentido dos céus. Proclama que o significado dos céus é a impossibilidade das gralhas. A imagem que a segunda frase nos fornece é desanimadora. Após encher o céu de pássaros e posteriormente reduzir para um único animal dessa espécie, o movimento que nossa imaginação realizou após a leitura da primeira frase do aforismo, somos obrigados a imaginar um céu vazio, destituído de pássaros, um céu sem vida. Afinal, ao que tudo indica, a frase não apenas inviabiliza a liberdade de voar das gralhas, mas nos informa que as gralhas, em si mesmas, são plenamente impossíveis por causa dos céus. Subtrai-se, portanto, não apenas a liberdade, mas a própria existência. E esse é o verdadeiro significado do céu, o motivo para qual existe, sua função conforme nos é informado – o céu é um deserto.

Mas, claro que, apesar disso, o céu está logo ali, neste aforismo. Existe potencialmente como algo para vislumbrarmos. Kafka, certa vez, ao ser questionado se não havia esperança no mundo, assim respondeu: “Sim, há muita esperança. Mas não para nós.” Assim, o real sentido do céu é algo mais opressor do que as gralhas podem supor, o oposto do que acreditamos. Sua imagem não pode mais representar a liberdade, mas sim, ao contrário, ela é a tradução da mais completa impossibilidade de existir e ser livre. Em Kafka, o céu não tem horizonte.

sábado, 15 de novembro de 2014

Palestra: "Marxismo e Direitos Humanos"


Prezados amigos,

Farei palestra na Faculdade de Direito do Mackenzie (Unidade Campinas) no dia 19/11/14, às 19hs.

O título de minha comunicação é: "Marxismo e Direitos Humanos".

Convido todos que possam se interessar pelo tema. Especialmente meus amigos de Campinas. Será uma boa oportunidade para nos reencontrarmos.

Abraços!

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Palestra sobre o filme "Azul é a cor mais quente"




Prezados amigos,

No dia 12/11/14, farei palestra sobre o filme Azul é a cor mais quente do diretor Abdellatif Kechiche.

O título da palestra é: Quem tem medo de Azul?

A palestra está inserida na programação do Centro Acadêmico da Faculdade de Direito do Mackenzie - SP (CAJMJr) sobre sexualidade.

O local: sala 205, prédio 3 - Faculdade de Direito do Mackenzie - SP

O horário: 19:30hs.

No dia 11/11, para os que ainda não tiveram oportunidade de assistir, o CAJMJr exibirá o filme na Universidade no período noturno.

Convido, então, os amigos para debater o filme nesta quarta-feira.

Abraços!

sábado, 4 de outubro de 2014

Apresentação sobre Kafka e Zizek


Prezados,

Farei uma comunicação na XV Semana de Filosofia do Mackenzie.

O título do trabalho é: "O caso Odradek: A leitura de Kafka por Slavoj Zizek"

A apresentação será na Universidade Presbiteriana Mackenzie, auditório Flamíneo Fávero, no dia 08/10/2014 (4ªfeira), às 20hs:45min.

Abraços!

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Palestra sobre o filme "A Onda" de Dennis Gansel (dia 23/09)




Prezados,

Farei palestra sobre o filme "A Onda", do diretor Dennis Gansel, no dia 23/09 (terça-feira).

O método será o seguinte: o filme será exibido às 13hs. e, posteriormente, faremos a comunicação (calculo que começaremos às 15hs.)

O local da palestra: Universidade Presbiteriana Mackenzie, prédio da Rua Piauí, 143, 11º Andar - Auditório do RW.

Convido todos os interessados.

Abraço!

sábado, 6 de setembro de 2014

Palestra no Mackenzie Campinas (24/09/14) - 17hs

 
 
 


Prezados,

Farei palestra no Mackenzie-Campinas no dia 24/09/2014 (4ªfeira), das 17hs-18:30hs. O convite me foi feito pelo Centro Acadêmico Esther de Figueiredo Ferraz (Faculdade de Direito). Será uma ótima oportunidade para rever meus antigos alunos. Trago na lembrança boas recordações do tempo em que lecionava em Campinas.

O título da comunicação é: O Direito e a Tragédia Antiga: por uma análise jurídica de Édipo-rei

Acho que é importante pensarmos o direito, a filosofia e a arte em conjunto. Esta será a minha primeira tarefa na palestra.

A segunda tarefa consiste em pensar o direito para além da peça Antígona. Invariavelmente, muito se discute sobre o direito, a justiça e o poder nesta peça, quando o caso é o de falar sobre a tragédia grega.

Pois, peço uma fuga do óbvio. Falemos de Édipo, este enorme personagem.

Está feito o convite!

Abraços!

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Citações de Cinema - Apocalypse Now


APOCALYPSE NOW

Francis Ford Coppola - 1979

 

“Adoro o cheiro de Napalm pela manhã.” – Tenente Coronel Bill Kilgore (Robert Duvall)


“Eu queria uma missão, e por meus pecados, eles me deram uma.” – Capitão Willard (Martin Sheen)
 

“Via um caracol rastejar ao longo de uma navalha... É o meu sonho... É o meu pesadelo... Rastejando, deslizando ao longo da lâmina de uma navalha de barba e... sobrevivendo...” – Coronel Kurtz (Marlon Brando)
 

“Entenda, capitão, que esta missão não existe nem existirá nunca.” – Coronel Lucas (Harrison Ford)
 

“Quem tem coragem de lutar com as tripas de fora merece beber do meu cantil.” – Tenente Coronel Bill Kilgore (Robert Duvall)
 

“Eu uso Wagner. Impressiona muito. Os meus rapazes adoram. (...) Ponham bem alto. Operação guerra psicológica. (...) Vamos dançar?” – Tenente Coronel Bill Kilgore (Robert Duvall)
 
“Treinam os rapazes para atirar fogo sobre as pessoas, mas os comandantes não lhes permitem escrever “foda-se” nos aviões porque é obsceno.” – Coronel Kurtz (Marlon Brando)


“Algum dia esta guerra irá terminar...”  – Tenente Coronel Bill Kilgore (Robert Duvall)
 

“Se eu digo que é seguro surfar nesta praia, Capitão, então é seguro surfar nesta praia!” – Tenente Coronel Bill Kilgore (Robert Duvall)
 

Willard: “Ei, soldado, você sabe quem está no comando por aqui?"
Soldado: “Não é você?”
 

“O horror... O horror...”  – Coronel Kurtz (Marlon Brando)
 
 
 
 
 
 

Citações de Cinema - Plano Geral


Citações de Cinema - Plano Geral
 

Postarei no Blog, a partir de agora, frases e diálogos retirados de filmes que, por algum motivo, me interessam. A verdade é que, ao longo dos anos, venho colecionando citações. Às vezes, a questão se resolve em diálogos longos, porém, não raro, frases curtas têm um efeito devastador.

O critério para a escolha das frases é exclusivamente o gosto pessoal. Tenho lá minhas manias e não abro mão disso. Por exemplo: tenho especial predileção por falas irônicas e, até mesmo as cínicas, me atraem. Entre uma frase inteligente e uma imoral, geralmente opto pela segunda alternativa. E a espirituosidade, qualidade máxima de um personagem, muitas vezes, como venho verificando, não acompanha os elevados de espírito, mas está com mais frequência presente nos personagens mais mundanos.
 
Quando for necessário contextualizar a frase ou o diálogo para obter o efeito desejado, não me esquecerei de assim o fazer. Mas, contudo, frases bem elaboradas têm a tendência a sobreviver em seu sentido mesmo ausente qualquer contextualização.
 
A seleção das frases, a sua ordem, a quantidade de postagens no mês sobre o assunto, tudo isso seguirá de maneira meio que anárquica. Mas, confesso que a lembrança da frase, como não poderia deixar de ser, acompanhará, de alguma forma, meu estado de espírito no momento em que ligo o computador.
 
Frases assim, pinçadas das telas, podem acabar servindo como excelentes termômetros para avaliar um filme, um diretor, um roteirista. Com certeza, singularizam os atores ao demarcar seus personagens.
 
De certa maneira, a coletânea de citações de cinema que se inicia é a minha maneira de me envolver com os filmes e, ao meu modo, podemos dizer que corresponde a uma homenagem a esta arte que às vezes me faz rir, outras, chorar, mas que sempre é capaz de me emocionar.
 

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Citação de Cinema - Mai/2014


"CHARLIE DON'T SURF!"

 
Frase de Bill Kilgore (Robert Duvall) em Apocalypse Now de Francis Ford Coppola. O coronel Kilgore justifica a tomada de uma praia no Delta Mekong sob o argumento de que os soldados americanos possam ter a oportunidade de surfar. "Charlie" é gíria para Vietcong.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Processo Seletivo para o LADIFILA (laboratório de direito, filosofia e arte) - Mackenzie



PROCESSO SELETIVO PARA GRUPO DE ESTUDOS DA FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE (2014)

 

PROF. COORDENADOR: Prof. Dr. Rodrigo Suzuki Cintra

OBJETIVOS: 1. Discutir o aspecto jurídico e filosófico de obras artísticas (literatura, cinema, teatro, pintura, fotografia etc.) através da análise das próprias obras e da crítica de arte especializada.

                      2. Realizar debates, palestras, congressos sobre temas específicos abordados nas reuniões do grupo.

                      3. Produzir textos acadêmicos para publicação.

REUNIÕES: 6ªs feiras, 15:00hs – 17:00hs. (Quinzenais)

SELEÇÃO DOS ALUNOS (entrevista): Os alunos interessados estão convidados para uma seleção a ser realizada no dia 21/03, sexta-feira, às 13hs., no prédio 24, sala 205 (Faculdade de Direito).

INSCRIÇÕES E MAIORES INFORMAÇÕES: rodrigo.cintra@mackenzie.br