O
canal #Conexões é um espaço de análises, interpretações, digressões,
explicações – um modo de amarrar as Humanidades e a Arte em suas mais diversas
manifestações –, protagonizado pelo filósofo #RodrigoSuzukiCintra. Também é
lugar de inventividade solta, debates de ocasião e blefe de cálculo. Com
temática variada, mas sempre a partir de chave cultural crítica, é um canal
aberto aos comentários e refutações dos espectadores. Participe, se inscreva,
comente e compartilhe. Novos vídeos, semanalmente.
domingo, 10 de novembro de 2019
Coringa | Rodrigo Suzuki Cintra | Conexões 1
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Arte,
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Coringa,
Rodrigo Suzuki Cintra
sábado, 26 de outubro de 2019
Dois Poemas de "Geometrias de Cosmos", livro de Rodrigo Suzuki Cintra
Dois poemas de Rodrigo Suzuki Cintra
ainda assim
arriscar um poema que não
seja cálculo
que a forma
fosse subtraída
como em um assalto
seja cálculo
que a forma
fosse subtraída
como em um assalto
de próposito
só impulso
de pensamento
um fluxo
de algo que surge
como o que é inexplicável
de pensamento
um fluxo
de algo que surge
como o que é inexplicável
meio sem querer
todo desejo
de escrever poesia
sem tempo ou espaço
é cartada sem curinga
como um blefe
de escrever poesia
sem tempo ou espaço
é cartada sem curinga
como um blefe
de caso pensado
em todo verso
existe a necessidade
de morte
das ideias que surgem
como do nada
existe a necessidade
de morte
das ideias que surgem
como do nada
oportunamente
apenas aquilo que é
espontâneo
se destaca se o caso for separar
de si toda forma de eu
espontâneo
se destaca se o caso for separar
de si toda forma de eu
como um bilhete de suicida.
réquiem para um poeta vivo[1]
para Tico.
Poeta, coveiro, suicida: homem.
Embora palavras
não passem
de nuvens
ainda que
formatos indeterminados
do imaginário
discordem tolos
teimam contornos
meramente sugestivos
fugidios da
primeira arquitetura
*
dos símbolos
também agulhas
podem ser
pois picam
alfinetam juízo
coçam por
dentro a
tragédia infinita
anunciado assassinato
no texto
difícil do
golpe arriscado
*
da escrita
talvez lápides
obras invisíveis
mas sempre
vermelhas como
vírgulas suicidas
do mergulho
do ferrão
certa loucura
mistura nariz
de palhaço
no veneno
*
de escorpião
pudera conceitos
dessem conta
enquanto letras
que enterram
a música
interna do
sentimento quando
silêncio um
grito pressentido
acorde final
ferroada poética
*
de marimbondo
naqueles signos
construções narrativas
onde veículos
fatais se
movem sempre
ou nunca
via contramão
o caso
daquele homem
argumento de
si mesmo
*
do não
nas imagens
sempre algo
de morte
estrutura a
nebulosa arte
do sonho
ressignifica mundo
num blefe
o último
da forma
dialética
*
de vagabundo
[1] [1] Esse poema foi escrito como crítica cinematográfica ao filme “Ferroada” de direção de Adriana Barbosa e Bruno Mello Castanho.
Palestra na Escola Paulista de Magistratura
"Kafka e a Filosofia Crítica do Século XX", por Rodrigo Suzuki Cintra
sábado, 10 de agosto de 2019
O Reconhecimento Infinito, 1963 (Magritte) Ou Pai e Filho
I
Pois
também existe aquela história do jovem poeta que teve como guia o velho poeta
pelos caminhos do céu – o segredo era interpretar as nuvens mais caprichosas,
as que não se assemelham a objetos ou coisas concretas, buscando formas que
parecessem com sentimentos.
A saudade era fina, mas era longa em
extensão, e eles demoravam muito tempo para conseguir percorrê-la por completo.
Às vezes, uma saudade era tão longa que eles desistiam no meio do caminho e
tomavam outro rumo para continuar a atividade de sentir as nuvens e compreender
suas peculiaridades.
O ódio não era exatamente branco como
as demais nuvens. Existia algo de cinzento nele. Era um tipo de nuvem que se
podia perceber à distância e que causava uma impressão particular. Destacava-se
entre as demais e era responsável pelas tormentas mais violentas.
A
paixão se assemelhava, curiosamente, ao ódio. Também era responsável por fazer
a terra estremecer, mas tinha algo de momentâneo, não se fixava por muito tempo
no horizonte, e se dissipava com a mesma facilidade e violência com que havia
se formado. Era um tipo de nuvem de um quase-vermelho muito leve, apenas
matizado, e lembrava a face de alguém ligeiramente envergonhado, mas que
conseguia evitar que a maioria das pessoas percebesse seu rubor. Era quase que
apenas a sugestão do vermelho.
Já
a dor era reconhecível por ser de um formato menos uniforme, tinha várias
saliências, pontas, recortes: não era sempre da mesma maneira que se
apresentava aos olhos e a mutabilidade de suas bordas era sua característica
predominante. Não era à toa que podia se disfarçar por outro sentimento, sendo,
por vezes, muito difícil de identificá-la: era preciso olhos treinados para não
se deixar enganar e tomar essa nuvem por outra.
Existia
uma forma de nuvem que raramente aparecia no horizonte. Delgada e curta, ela
também era menos cheia que as demais, de uma brancura que apenas manchava
levemente o céu azul. E mesmo os poetas que caminhavam entre as nuvens e tinham
o costume de identificá-las, às vezes, podiam passar por essa forma sem
reconhecê-la propriamente. Deram o nome de remorso para ela e começaram a
perceber que muitas vezes ela se formava após a dissipação de uma nuvem de
paixão ou de ódio.
Mas,
a mais difícil nuvem de se identificar era aquela que continha o amor. Ela
podia ter qualquer formato. Podia se apresentar de qualquer modo e se formava e
se dissipava sem obedecer a muitas regras. E o mais curioso é que, ao contrário
do que pensam os não-poetas, esse tipo de nuvem aparecia com muita frequência.
A
respeito dessa nuvem, os dois poetas discordavam sobre a melhor maneira de
identificá-la.
O
velho poeta argumentava que para distingui-la era preciso sempre deixar o tempo
passar. Ela não se estruturava apenas no espaço, era uma nuvem de temporalidade
mais vagarosa e se relacionava diretamente com o brilho dos astros. Ela
cobriria o sol e sua mais importante característica seria que quando ela
terminava de passar por esse astro, ele brilharia de uma maneira completamente
diferente: tudo parecia se iluminar, a luz inundava todos os lugares e as
coisas podiam ser vistas de um modo mais verdadeiro. O velho poeta acreditava
que a nuvem do amor era aquela que tornava possível uma explosão de
luminosidade após a sua passagem.
O
jovem poeta, no entanto, achava que conseguia identificar a nuvem do amor
através de um outro recurso. Não era exatamente o formato das bordas, a
coloração, o preenchimento, a potência de chuva, nem mesmo o brilho do sol
depois que ela passava. Nenhuma dessas características tomadas exclusivamente
podia apontar para a nuvem do amor. O amor era um pouco de saudade, um pouco de
ódio, um pouco de paixão, um pouco de dor e um pouco de remorso. Era uma nuvem
contraditória em si mesma. Fina e longa era, ao mesmo tempo, curta e disforme.
Cheia e pronta para a tormenta era apenas uma mancha no céu azul. Levemente
colorida era extremamente branca. Era responsável pela luminosidade mais ampla
e pela sombra mais escura.
Como
isso poderia ser possível, o jovem poeta não sabia obviamente explicar. Talvez
a resposta fosse que todos os formatos de nuvens que representam os sentimentos
tivessem, no fundo, uma mesma origem. Ou que tivessem uma mesma finalidade. O
amor poderia estar no começo ou no fim de todos os sentimentos. O que o jovem
poeta tentava defender era que, de qualquer modo, nenhuma das nuvens tinha um
real significado se não tivesse no fundo, mesmo que só de passagem, um pouco do
amor. Todas as nuvens eram feitas da mesma matéria. Era uma certeza estranha. A
de que todos os sentimentos que possam existir nesse mundo eram, na verdade,
apenas breves momentos de uma nuvem de amor infinita.
II
Não
estando propriamente mortos, os dois homens se encontram em meio aos sonhos. O
cenário é com frequência o mesmo: os céus. E o caminhar é sempre para frente.
Vez ou outra, é preciso desviar das nuvens mais carregadas.
A conversa, no fundo, também é sempre a
mesma.
O homem mais velho, o que usa a bengala
para auxiliar no andar, quer convencer o mais novo, o que fala sempre
gesticulando, que seu lugar natural é ali, no azul do céu e na brancura das
nuvens: um infinito plenamente luminoso e verdadeiro.
O homem mais novo, no entanto, conhece
seus próprios abismos. Sabe que estar ali, andando entre nuvens, não é sua
condição natural. Reconhece que está sempre a um passo de cair em uma escuridão
profunda. Talvez quisesse simplesmente acreditar no homem mais velho, porém,
aprendeu a desconfiar prontamente de si mesmo e admite que anda sempre no
limite, sempre em uma quase queda.
E o pior.
Aprendeu, com o passar do tempo, a
gostar do abismo.
III
Como
explicar esse universo de significados: a sensibilidade em pintar a conversa
mais verdadeira, a adequação em localizar nas nuvens esses homens tão iguais e
tão diferentes, a técnica de deslocar os personagens para justamente
centralizá-los, a capacidade de fazer das ocasiões do branco algo de carinho, a
presença dos chapéus como símbolo do encontro e a musicalidade profunda do azul
como manifestação da futura saudade?
Talvez,
seja porque se trata de uma beleza plena que está para além de qualquer
temporalidade, que sobreviverá ao depois do depois – de algum modo, foi
possível pintar aquilo que os homens mais sensíveis nomeiam de uma forma
abstrata, mas que é precisa: sinceridade.
IV
Na
escolha das cores, nos matizes mais suaves, na leveza dos personagens, no senso
de proporção.
O
contraste entre o azul do céu e o branco das nuvens: infinidade.
O cinza da condição humana, levemente
deslocado do centro da tela: brevidade.
Uma imagem que não é uma representação,
apenas sugere algo entre a infinidade e a brevidade: a pintura mais poética de
todo surrealismo.
Cabide, 1920/21 (Man Ray) Ou Medo de Brinquedo
Uma mulher por trás de uma boneca de
cartolina.
À primeira vista, pode-se pensar que se
trata de uma colagem, mas, o exame mais detido evidencia que é uma fotografia.
É importante perceber, nesse caso, que
se trata de uma fotografia. Pois, inadvertidamente, é uma imagem que causa
impacto por suas ambiguidades, por sua improbabilidade extrema enquanto um
instantâneo do real, por uma estruturação do elemento que se pretende
representar radicalmente misteriosa.
Não há como não sentir algo de
perturbador na imagem.
Sua
incompletude, seu modo de mesclar o corpo humano com a cartolina, um modo de representar
o feminino que se dá estranhamente entre o que se vê e o que se esconde, o que
está na frente e o que está atrás, tudo ali provoca incômodo.
Não é exatamente o fato de existir
potencialmente uma mulher por trás da cartolina o que causa essa sensação
particular. Tampouco é a cartolina à frente da mulher que induz a certa
rejeição. É a fusão desconcertante entre o que é vivo com o que não tem vida o
que nos deixa perplexos. Pois, nossos olhos se alternam, demasiadamente e sem
autorização, entre o corpo nu e a boneca de cartolina. E é nos momentos em que
se percebe esses dois elementos em conjunto que ficamos completamente
estarrecidos por estarem escandalosamente em uma pretensa harmonia na
fotografia. Ali, a tensão entre o orgânico e o inorgânico obriga a buscar
significados e estabelecer conexões de sentido de modo a tornar possível
suportar essa composição absolutamente inusitada.
A
sensação geral, ao olhar para obra, é tão particular que, apesar da modelo por
trás deste singular cabide estar nua, deixando à mostra os seios, o sexo e seus
contornos curvilíneos de mulher, não sentimos qualquer espécie de ímpeto
sexual.
Alguma
coisa na fotografia inviabiliza o desejo.
O recorte da cartolina que acaba por
representar os braços, os ombros, a cabeça com olhos, boca e cabelos de uma
boneca pode parecer, inicialmente, uma representação mais infantil, porém, no
entanto, é perturbador demais para ter sido feito por crianças.
A boca desta boneca é demasiada pequena
e, se somar isso à ausência de nariz e aos cabelos desenhados de um modo singelo,
temos um rosto de boneca quase que esquemático. É claro que os olhos completam
a equação da face particular da boneca de cartolina. Muito abertos, dão a
impressão de olhar diretamente para frente e além. É um olhar por demais
profundo, é bom que se diga, e parece, inclusive, trespassar a estrutura da
fotografia e enxergar o próprio sujeito que está a observá-la.
Por
certo, o cabide vertical que sustenta a estrutura de cartolina garante que a
imagem pareça não ter movimento. Além disso, a brancura do corpo e da cartolina
contrasta com o fundo da fotografia que é profundamente negro. Essa escuridão é
um truque de luz e, ao mesmo tempo, é contagiosa. De algum modo, absorve parte
da perna direita da modelo. E ficamos sem saber ao certo se a perna foi apenas
sequestrada pela lógica da escuridão do fundo da imagem, ou se a modelo já não
tinha esse pedaço do corpo desde o princípio.
A
cartolina disposta à frente do rosto e dos ombros da modelo esconde
completamente o semblante da mulher real, funciona como uma máscara, e tem
traços de boneca inerte que contrariam o corpo vivo e em evidência do resto da
composição.
Porém,
sequer é possível dizer, seguramente, para falar a verdade, que a boneca de
cartolina é que encobre a mulher real. Talvez o rosto e os ombros da modelo
também não apareceriam se o caso fosse o de retirar a boneca de cartolina da
sua frente. Tal qual a perna pela metade, nada garante a completude da modelo
acima dos seios. Pode bem ser que se encontrasse escuridão também por trás do
lugar que a boneca ocupa na fotografia.
Esse
é um tipo de pensamento coerente com a lógica interna desta fotografia, não há
dúvida, mas, profundamente improvável para falar a verdade.
Porém,
não são essas possibilidades que causam a sensação mais estranha quando se
trata de observar atentamente a lógica da foto. Existe algo na estruturação dos
elementos internos dessa representação que provoca, inadvertidamente, um pouco
de medo.
Pode
ser que essa sensação se origine em um movimento de nossa imaginação. Se
pudéssemos retirar a boneca feita de cartão da frente da modelo e assim fosse
possível enxergar a mulher por completo, em toda a sua vivacidade, com pernas,
sexo, seios, ombros, pescoço, boca, cabelos, ela seria uma pessoa real, alguém
que efetivamente pertence ao mundo. Ou seja, tiraríamos da fotografia seu
caráter mais inusitado e a reduziríamos a uma mera representação singela de uma
modelo.
E
todo problema, o que nos aflige nos momentos em que deixamos a imaginação
correr solta, consiste no fato de que, mesmo tendo sido retirada a boneca da
frente dela, como a retirar uma máscara, essa mulher por trás da cartolina,
estaria, inevitavelmente, a olhar diretamente para o espectador, ainda com
aqueles olhos inertes de boneca.
E
a dúvida que apareceria, se assim fosse, não seria mais a proposta da foto (o
que há de mulher por trás de uma boneca), mas, inversamente, o que há de boneca
por trás de uma mulher: um pouco de morte.
O Mundo Perfeito, 1962 (Magritte) Ou As Cores do Mistério
I
Um quadro singelamente bicromado: azul e branco, sem dúvida.
Toda a astúcia da tela, que é um jogo de enganar, consiste em posicionar o olhar a partir de uma dessas cores. Sobrepostas, elas dão a impressão de profundidade à lógica de uma estrutura paradoxal. E somos tentados, constantemente, a determinar qual das camadas corresponde à verdadeira imagem de um céu que se desdobra e se reproduz a cada novo lance de olhos que empreendemos para tentar compreender a coisa toda.
Pode ser que realizar um olhar a partir do azul garanta algumas certezas.
A diferença de tonalidade dessa cor nos elementos que compõem a pintura certamente ajuda a identificá-los e, se isso não proporciona a descoberta de alguma verdade radical sobre a tela, pode auxiliar a delimitar os problemas que um intérprete pode encontrar pela frente. Pelo menos os problemas decorrentes do olhar azul, como podemos chamar.
O chão, a parede e a cortina são plenamente identificáveis, possuem tons de azul diferentes, mas um rouba a cena do outro. Pensamos constantemente em que lugar, em qual destes elementos, está o verdadeiro céu. Um céu que pode muito bem ser impossível de se determinar, que é quase que apenas intuído, mas que invariavelmente não cansamos de tentar delimitar.
Bem pode ser, no entanto, que sua função na tela seja outra – impedir profundamente que enxerguemos além. Obstáculos sucessivos a que olhemos diretamente para a imensidão do azul. O curioso, nesse sentido, é que eles são feitos do próprio azul cujo olhar inviabilizam.
É possível, também, uma contemplação que privilegie a cor branca.
Ela opera, nesse caso, de modo muito mais fugidio. Ao contrário do azul, feito de linhas retas, o branco é disforme e, além disso, espalhado pela tela em muitos lugares, mais mancha o azul do que propriamente se afirma como um elemento próprio. As diversas manchas, aliás, podem aparentar unidade em sua disposição aleatória, em seus formatos irredutíveis à geometria, mas, talvez, sejam plenamente singulares em cada uma de suas aparições.
Se o azul é estático, o branco só se propõe nessa tela como movimento. Seus momentos são sempre de leveza. O branco pode estar na pintura de um modo absolutamente perceptível, determinado, de um modo que pensamos poder registrá-lo em nossa mente sem dificuldades. Mas, qualquer distração, qualquer desvio de olhar, tornará impossível enxergá-lo duas vezes do mesmo modo. As ocasiões do branco nos pregam peças e fogem do nosso olhar repetitivo. Cada experiência com essa tonalidade, que é quase que a negação da própria tonalidade, é única e, portanto, exige de nós, não concentração – o que de nada ajuda nesse caso – mas, uma forma de respeito toda particular. O branco pode não preencher o céu em todos os casos, sempre haverá dias sem nuvens, mas certamente é o que dá sentido ao céu que está para além do imenso, que inscreve seu registro para depois da finitude.
II
A maçã é verde, mas na verdade é azul.
Disposta diretamente no chão, ela é um dos elementos azulados da pintura. Trata-se de uma maçã perfeitamente desenhada. Os matizes de seu azul são pintados ao nível do detalhe. Ocupando o primeiro plano da tela, ela projeta, inclusive, uma sombra que, como não poderia deixar de ser, também é azulada. Um azul quase que meramente sugerido, na medida em que as sombras têm por hábito serem negras.
Ali, no espaço do azul que parece ser imenso, um azul que se aprofunda a cada olhar, a maçã se situa em posição estratégica. É a primeira camada da representação do céu. Ela, de certo modo, o integra e o inicia e sua função é puramente enigmática. Entendê-la é como que desvendar um segredo. O segredo dos céus propriamente dito.
Isso é: uma metáfora.
Todo céu é um mistério.
III
A maçã é verde, mas na verdade é branca.
Uma nuvem branca estranhamente estática, avessa a sua própria natureza, com um formato peculiar de maçã, com cinco folhas esbranquiçadas num galhinho, e que contrasta com o azul do céu que quando olhamos muito fixamente parece curiosamente se mover.
Todo branco lembra nuvens. Mas, quando se trata de nuvens propriamente, nunca podemos saber ao certo. Nuvens são sempre outras possibilidades de si mesmas. E os formatos dessas manchas no universo da composição da tela podem lembrar muito bem uma coisa ou outra. O branco é infinito a seu modo, de uma maneira um tanto caprichosa.
Isso é: uma metáfora.
Toda nuvem é uma metáfora.
IV
A imagem é muito bem desenhada: um círculo perfeito. Está disposta no chão azul, o que pode sugerir, num lance de olhos, a sensação de certa imobilidade. Sua inércia, porém, é algo duvidoso dentro da estrutura da pintura – pois sua sombra, mesmo que vagarosamente, provavelmente se movimentará. Mas, isso não é o que incomoda quando pensamos no assunto de maneira mais detida.
O azul está em todo lugar. Só é interrompido por aquelas manchas brancas – as que podem bem ser nuvens, o que quer que isso signifique efetivamente.
Um exercício interessante, no entanto, seria o de colocar o quadro de ponta-cabeça. Nada se alteraria verdadeiramente, se assim o fizéssemos, a não ser o círculo em primeiro plano. O azul e o branco continuariam com a mesma lógica de sempre e pode até acontecer de observadores desavisados nem perceberem a mudança.
A pintura ainda estaria completa a seu modo – tudo se passa apenas no choque entre as cores.
Mas, se assim fosse, a cor do círculo perfeito – azul ou branca – pediria maiores explicações. Seria o caso de pensar se, de fato, se trata de uma lua ou um sol, essas esferas que reinam nas alturas. E é claro que haverá sempre quem insista, sem maior sucesso, que a lua não é azul e o sol não é branco. O que mostra, no fundo, que muitos não conseguem nem determinar, ao certo, qual é a cor de uma simples maçã.
V
Por trás das nuvens do céu há cortinas que nos impedem de ver mais além. E todo o problema consiste no fato de que mesmo essas nuvens, vez ou outra, também são feitas de cortinas.
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sexta-feira, 7 de junho de 2019
Lançamento de Livro de Poesia - Rodrigo Suzuki Cintra
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Rodrigo Suzuki Cintra
domingo, 12 de maio de 2019
domingo, 3 de março de 2019
Tradução: Poema de E. A. Poe
Um sonho dentro de um sonho
Poema: E. A. Poe
Poema: E. A. Poe
Tradução: Rodrigo Suzuki
Receba este
beijo em tua fronte!
Partirei rumo
a um novo horizonte,
Mas confesso:
olhos nos olhos defronte –
Não erra quem
proclama que disponho
Os meus dias
como se fossem um sonho;
Se a esperança
não tem mais serventia,
Seja de noite
ou mesmo de dia,
Uma visão real
ou talvez nenhuma,
Será que tudo
não passa de bruma?
Tudo que vejo, sou ou suponho
É apenas um
sonho dentro de um sonho.
Fico parado
como que perdido
Em uma praia
qualquer sem sentido,
E seguro firme
dentro da mão
Um punhado de
areia que peguei do chão –
Poucos grãos!
Ainda assim, me atormento
Pois pelos
dedos fogem, não tenho alento,
Enquanto
lamento – enquanto lamento!
Oh Deus! Será
que não consigo conter
Nem um único
pedrisco sem sofrer?
Oh Deus! Será
que não consigo salvar
Um ao menos da fúria do mar?
Será que tudo que vejo, sou ou suponho
É apenas um
sonho dentro de um sonho?
A dream within a dream
Edgar
Allan Poe
Take this kiss upon the brow!
And, in parting from you now,
Thus much let me avow –
You are not wrong, who deem
That my days have been a
dream;
Yet if hope has flown away
In a night, or in a day,
In a vision, or in none,
Is it therefore the less gone?
All
that we see or seem
Is but a dream within a dream.
I stand amid the roar
Of a surf-tormented shore,
And I hold within my hand
Grains of the golden sand –
How few! yet how they creep
Through my fingers to the
deep,
While I weep – while I weep!
O God! can I not grasp
Them with a tighter clasp?
O God! can I not save
One
from the pitiless wave?
Is all that we see or seem
But a dream within a dream?
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