Mostrando postagens com marcador Caprichoso Político. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Caprichoso Político. Mostrar todas as postagens

domingo, 10 de abril de 2016

10 Teses sobre o Caprichoso Político



Rodrigo Suzuki Cintra

 

            Senti a necessidade de explicitar o que venho chamando de caprichoso político. Essa figura, ao que me parece, é característica de nosso modo de navegação social e política e aparece com maior intensidade nos momentos de crise, em que as oposições em jogo se mostram mais evidentes. As dez teses a seguir são obviamente complementares e tentam passar a fisionomia sócio-política deste tipo. Começo pelo pressuposto mais básico de que não existe capricho sem ideologia e termino concluindo que o caprichoso é que, no fundo, é corruptor e corrupto. Mas, além disso, talvez seja necessário uma nota inicial: o verdadeiro caprichoso político se reconhecerá prontamente nesse texto. É inevitável. Mas, como é próprio de seu modo cínico de relação com conceitos, talvez ele faça de conta que essas teses não lhe dizem respeito. Vejam, esse tipo não está acostumado a ser contrariado.

 

1.      O caprichoso político opera sempre um discurso de classe.

Sua fala tem origem específica: parte dos privilegiados para os desafortunados. Desconhece a legitimidade do lugar de onde se produz um discurso popular. Suas opiniões têm a pretensão de ser totalizantes – querem englobar toda a sociedade, evitando ao máximo as verdadeiras oposições sociais em jogo. O capricho na política é sempre ideológico, portanto.   

 

2.      O caprichoso político não se interessa por princípios morais.

Na medida em que sua lógica é de classe, aquilo a que chama de princípio moral não passa, no fundo, de interesse em causa própria. Produz a contradição própria dos tempos: uma moralidade de fachada, avessa a uma ética de construção da cidadania efetiva, está a serviço da estruturação de uma vida política conservadora e desigual. Trata-se, na verdade, de um modo de se relacionar com a ética profundamente contraditório, absolutamente interesseiro e imensamente corrompido e corruptor.  

 

3.      O caprichoso político é avesso à legalidade.

Ele seleciona o que interessa e o que não interessa nas leis. Não vê nenhum problema em usar o direito de um modo meramente instrumental. No fundo, sabe bem que a lei é passível de interpretação. Mas, o curioso é que em alguns casos acredita ser desnecessário interpretar. A lei é clara quando o caprichoso quer, obscura quando o contraria. O capricho não se importa com a coerência: respeitar o direito é questão de oportunidade e ocasião.

 

4.      O caprichoso político é permissivo com a violência.

Ele não a pratica diretamente. Mas, argumenta e compreende as razões das ações pela força. Pondera: às vezes, é preciso alguma ordem (violência) para enquadrar os que não concordam com ele. Ele deixa que outros sujem as mãos, os mais toscos, os indignados máximos que estão dispostos a tudo, mas não engana: a violência como forma de ação política é uma de suas mais secretas opções para resolver crises. Ele é violento, mas preguiçoso e sofisticado demais para efetivar a força nas ruas. Então, assiste as repressões bárbaras cometidas contra manifestações públicas legítimas na tela da televisão. E tem um sorriso no canto da boca quando alguém desce o porrete.

 

5.      O caprichoso político se fantasia de povo.

Simula que seus interesses e problemas são os mesmos que de todos os brasileiros. Confunde o próprio povo que, vivendo nas maiores dificuldades materiais, pode acabar pensando que sua pauta política é a mesma do caprichoso. Alia a isso um nacionalismo absolutamente inverossímil em um país de desigualdades absurdas. Em uma nação partida em muitas, os outros que não aderem à pátria-nação-unida são considerados traidores. Como se fossem brasileiros de menos. O povo mesmo, que vive a lógica da necessidade, não tem, obviamente, a oportunidade de ser caprichoso.

 

6.      O caprichoso político é antidemocrático.

Para ele, o que chama de povão está correto quando concorda com suas opiniões e está “cego” quando não participa de sua lógica. A democracia é questão de lado: quem está afinado com quem. Ou, nos tempos atuais, quem adere ao discurso da moda. O povo, então, para o caprichoso, é, na verdade, um estranho. Como seria possível que parcela considerável da população mais carente não participe das vontades do caprichoso? É claro que ele não entende as razões dos que vêm de baixo. Mas, não poderia ser diferente: o caprichoso não faz efetivamente parte do povo.

 

7.      O caprichoso político é revoltado (mas não com as estruturas iniquas). Ele é um radical de meia-medida. Obviamente que sua revolta nunca é verdadeiramente revolucionária, algo que pudesse realmente mudar a ordem da política nacional. Ele só está interessado na sucessão do poder. Ele quer a mesma coisa de sempre na política, afinal, no fundo, tudo corre bem materialmente. A substituição dos governantes é então uma farsa. Os personagens são os mesmos, a estrutura política é a mesma, a vida social é a mesma. Trata-se de uma revolta caprichosa então, pelo que aparenta, pois opera de um modo preciso para que tudo fique sendo a mesma coisa de sempre.

 

8.      O caprichoso político finge ser civilizado.

Usa argumentos. Reflete, inclusive. Mas, quando chega a hora do verdadeiro enfrentamento de ideias, estimula e compreende a barbárie da força sem hesitar por um segundo. É comum verificar em seu modus operandi argumentativo a virulência e o autoritarismo no modo com que conduz o debate público. Sintoma de um sujeito acostumado em estar por cima nas relações sociais, ele não pode nunca aparentar fraqueza em suas razões argumentativas. Ele até discute com o outro, o diferente, mas chega sempre o momento em que perde a paciência e seus preconceitos mais arraigados afloram. Então, a mulher é diminuída no debate por ser mulher, o negro por ser negro, o pobre por ser pobre (e, portanto, não estar entendendo nada), o sujeito de esquerda por ser de esquerda (e, portanto, ser o que ele considera tendencioso...). O caprichoso não aguenta: tem que xingar preconceituosamente o outro em sua singularidade mais particular simplesmente porque é um outro com singularidades particulares...

 

9.      O caprichoso político é intolerante.

Quem discorda do caprichoso, é visto como louco, inconsequente, corrupto, cego. Ele não compreende a possibilidade real da discordância democrática. O outro, o diferente, o discordante é tratado não como um opositor de ideias, mas como um inimigo. E, é claro, os inimigos têm que ser eliminados (mesmo que apenas do debate), e não aceitos no regime de uma tolerância mais inclusiva. O caprichoso quer calar todo discurso dissonante. Não tolera certas coisas. Então, vai às últimas consequências quando sustenta sua posição ideologicamente demarcada. Xinga, grita, esperneia, às vezes, cospe. Mas, não se enxerga como um intolerante. Suas razões agressivas são apenas sinais da indignação mais pretensamente verdadeira. É preciso perceber: ele cospe nos outros, mas não quer ser excluído do debate tolerante. Não pega bem, e ele preza muito as aparências.  

 

10.   O caprichoso político é corrupto.

É preciso inverter o discurso do caprichoso sobre a corrupção. Ele é seu agente mais frequente, tanto na política quanto no cotidiano. Fingindo ser incorruptível, o caprichoso corrompe, na verdade, a moral, o direito, a democracia, a tolerância e a civilidade. Faz um discurso às avessas: tudo que representa é o oposto da posição verdadeiramente cidadã. O caprichoso se pauta pela lógica da vontade e do interesse mesquinho, ele não concebe o mundo a partir de princípios e ideais. Sua volubilidade, suas estratégias relativistas de argumentação, sua posição política que transparece um discurso de classe, o tornam avesso ao discurso republicano. Para ele, não há princípios na moralidade, no direito, na democracia, na tolerância, tudo é questão de satisfação das vontades imediatistas de quem não gosta e não está acostumado em ser contrariado. Ele não tem utopias, vive da ditadura do real mais comezinho, então, seu discurso apesar de ser sempre o do oportunismo, adere as modas de ocasião com uma facilidade impressionante. Como sabe que a vida política é uma espécie de vale-tudo em que os mais espertos sobrevivem, ele está sempre do lado do poder, mesmo quando não percebe. Seu modo de navegação social mais característico é a lógica dos privilégios de sempre, do tratamento desigual e hierarquizado dos indivíduos, dos subornos do dia-a-dia, do levar vantagem em tudo. Trata os indivíduos que considera inferiores socialmente como coisas, mas quer ser tratado como um rei. Acostumado a fazer birra quando contrariado, o caprichoso aprendeu a ser autoritário quando o caso é o de impor suas vontades individualistas de sempre. Inclusive, fazer seus interesses privados se sobreporem às questões públicas é uma de suas notas mais características. Ele faz isso quando debate política, faz isso quando vai às ruas e faz isso quando vota. Ele faz isso na vida cotidiana – seus vícios privados geram benefícios públicos, ele acredita. No fundo, é preciso não se enganar: é porque existem pessoas como ele, que existe a corrupção.

 

Nota Final

O caprichoso político é birrento, volúvel, relativista, interesseiro, individualista, contraditório, antidemocrático e como tem a ganância própria da classe a que pertence, está sempre flertando de maneira oportunista com o poder. Não está acostumado a não possuí-lo em todas os domínios da vida social. Assim, ele é extremamente verdadeiro em um sentido particular. Quer ser representado politicamente, de qualquer modo, seja justo ou injusto, mesmo que à revelia de qualquer procedimento democrático, mesmo que contra alguns ou contra todos, mesmo que sustentado pela violência, e isso ele levará às últimas consequências, custe o que custar!

sábado, 26 de março de 2016

O Caprichoso e a Crise Política


Talvez um dos modos de navegação social mais distintivos de nossa vida política seja o capricho. Essa figura da extravagância, da vontade sem razões precisas, é típica de contextos arbitrários. Mas, algo não pode ser esquecido quando se trata de pensar uma política caprichosa: o capricho tem lado, é estruturante de um discurso de classe e, como bem se pode perceber, não reproduz verdadeiramente a voz do povo.

            O capricho é característico do discurso ideológico e, portanto, opera na base de um ocultamento das verdadeiras oposições em jogo.

            O caprichoso adere ao discurso de ocasião, menos por uma posição política particularmente calculada e mais por um senso de que as coisas políticas não caminham do jeito que ele gostaria. Claro que não haveria nenhum problema nisso se o que se manifestasse fosse uma posição crítica, ou mesmo, uma indignação mais verdadeira. O que parece ocorrer, no entanto, é apenas uma seletividade no que diz respeito ao que se pode e o que não se pode fazer em termos políticos.

            É desse modo que as fronteiras entre o lícito e o ilícito parecem ser tênues. A judicialização da política é usada de um modo especialmente contraditória. Com o intuito legítimo de averiguar denúncias de corrupção, ou seja, ilegalidades inaceitáveis, cometem-se outras ilegalidades igualmente inaceitáveis.

            O problema do caprichoso é que, como não está interessado em princípios de coerência – o que significa, aqui, o respeito a totalidade do direito –, ele aceita e propõe que a lei deva ser aplicada apenas no sentido em que seus interesses políticos sejam satisfeitos, não se incomodando nem um pouco quando se desrespeita a lei em seu próprio benefício.

            O capricho é, no fundo, avesso à legalidade, mas se transveste de rituais jurídicos para operar sua indignação mais profundamente interesseira.

            E como o capricho só pode servir à política a partir de uma dimensão de classe, afinal, só é caprichoso quem não vive da lógica da necessidade, é preciso cooptar parcela significativa da população para legitimar um discurso que tem um lugar de origem especifico. Então, tudo fica mais fácil.

            O caprichoso político é um indignado. Deixa claro: certas coisas, ele não aceita. A corrupção, então, tem que ser punida custe o que custar. O problema é que o custo não é baixo. Trata-se de desrespeitar o direito à privacidade, o devido processo legal, a produção lícita de provas judiciais, premiar os delatores e solapar prerrogativas constitucionais. Mas, o capricho se propõe como discurso fugidio. O que se pode fazer politicamente, é o que se quer, o que não interessa politicamente, é o que pode ser deixado de lado.

            A seletividade no que diz respeito a quais normas jurídicas cumprir é traço propriamente autoritário pois aponta para a ideia de que, para alguns, a lei deve ser severa, enquanto que para outros, ela pode ser um pouco mais elástica.

            É claro que não temos 200 milhões de caprichosos no Brasil – se bem que uma das características dessa figura, a transição tênue entre lícito e ilícito, nos seja muito cara –, mas, como se trata de discurso ideológico, a verdade é que o interesse mais mesquinho e individualista de alguns, se mostre a pauta geral de indignação da nação.

            O povo, o povo mesmo, está trabalhando. Pensando em como chegar sem atrasos para o serviço diário. Está preocupado com uma escola para os filhos. Está com dificuldades para colocar comida na mesa. Sua pauta política é bem clara.

            Mas, o caprichoso finge que seus problemas são iguais aos do povo. Afinal, somos todos brasileiros. Estamos todos juntos no mesmo barco. E o discurso nacionalista, que é o discurso que não exclui ninguém em essência, pode prosperar. O curioso é que o discurso da nação-pátria-unida se dê justamente em um dos países mais desiguais de todo o planeta.

            O caprichoso quer as coisas a seu modo. Pensa, inclusive, que tem o direito de pautar o debate de nossa crise política, afinal, está acostumado com o poder de sempre e se sente muitíssimo contrariado quando denúncias de corrupção são feitas contra os seus representantes mais proeminentes.

            Não se trata, em todo caso, de defender um governo absolutamente desastrado como o atual. Pelo menos, não no sentido de apoio aos desmandos e ilegalidades praticadas no seio da república. Mas, o que parece ser urgente, é colocar sob regime de suspeita um discurso ufanista blindado por uma superfície jurídica seletiva e de aparência democrática.

O capricho não é apenas contraditório e curioso, ele é perigoso. Antidemocrático por excelência, o capricho visa, em verdade, a estruturação de uma política autoritária, com os mesmos personagens de sempre no poder. É preciso evitar o engano, não se trata de uma substituição completamente radical do que está presente em nosso espectro político. O caprichoso diz querer o Estado de Direito, mas está plenamente disposto a esquecer essa ideia se for o caso de se estabelecer um novo governo para o Brasil. Razão de Estado, estamos em uma crise que talvez torne necessário, argumenta o caprichoso, subverter algumas regras de direito para alcançar o que se almeja. Todo o problema, aí, consiste no fato de que devemos esquecer propriamente o direito para se alcançar os objetivos de alguns poucos interessados realmente na sucessão pelo poder.
           O caprichoso quer ir às ruas como manifestante político legítimo. Veste uma roupa que, a princípio, nada diz ideologicamente (todo mundo é brasileiro...) grita xingamentos aos governantes (apesar de ser educado, sempre se pode chegar ao limite da paciência...) e é escoltado pela própria polícia que percebe que se trata de um manifestante pacífico, afinal, é evidente que não se trata de um manifestante revolucionário. Está, inclusive, no meio do povo. Finge ser exatamente o que não é: inofensivo e democrático. Mas, não resta dúvida. Quando chegar a hora, abrirá uma boca enorme e cheia de dentes pronta para morder violentamente o poder.