"A arte não é um espelho para refletir o mundo, mas um martelo para forjá-lo"
Vladimir Maiakóvski
quarta-feira, 30 de novembro de 2016
Citação do Mês - Dez/2016
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terça-feira, 29 de novembro de 2016
Lançamento de meu livro: "Shakespeare e Maquiavel - a tragédia do direito e da política"
Contracapa
O que Shakespeare tem em comum com Maquiavel? O que o genial dramaturgo e o polêmico pensador renascentista têm a dizer sobre a relação entre o Direito e a Política? De maneira rigorosa e, ao mesmo tempo, ousada, o filósofo Rodrigo Suzuki Cintra se propõe a reler as grandes tragédias de Shakespeare e o livro mais impactante de Maquiavel, O Príncipe, para tentar responder a essas perguntas. Por meio de análises de peças de Shakespeare, propostas de novas leituras de Maquiavel, resgates da tradição da tragédia no mundo ocidental, o autor procura, de maneira erudita, estabelecer como opera a ideia de trágico na formação da política e do direito na Era Moderna e mostrar como esta relação ainda se propõe como um problema para o nosso próprio tempo.
Orelha
Ser ou não ser – eis a questão. Além disso, deve-se, em todas as coisas, considerar o seu fim... As duas famosas frases, correntemente associadas a Shakespeare e Maquiavel, podem, em princípio, apontar para duas esferas distintas da produção humana: a arte e a política.
A ideia geral deste livro, no entanto, é tentar mostrar como arte e política podem ter conexões muito mais profundas do que aparentemente se supõe. Talvez, até mesmo uma ligação essencial. Por meio da apropriação do pensamento trágico de Shakespeare e de Maquiavel – a leitura de Maquiavel como pensador trágico é uma das teses polêmicas deste livro – trata-se de investigar como no início da Era Moderna a arte shakespeariana era extremamente política enquanto o pensamento político maquiaveliano tinha um elevado valor artístico-literário.
É via visão trágica de mundo que o autor, o filósofo Rodrigo Suzuki Cintra, traça seu esquema de interpretação da Era Moderna. Ao conectar arte e política em Shakespeare e Maquiavel, o autor resgata um problema que parece ser de extrema importância na obra destes importantes pensadores, uma questão que está no centro da tragédia: o lugar da justiça.
Se o núcleo da política é o poder e o núcleo do direito, a justiça, a tragédia enquanto formato literário e enquanto modo de viver e sentir o mundo se propõe sempre como uma forma política e jurídica. Assim, podemos encontrar nas grandes tragédias shakespearianas (Hamlet, Otelo, Rei Lear e Macbeth) e também em O Príncipe, de Maquiavel, uma preocupação em equacionar como o poder se liga à justiça. Será que poder e justiça estão implicados de maneira indissociável? Será que a justiça nada tem a dizer ou condicionar o poder?
Estudar esses autores em conjunto, entrecruzando suas obras, é uma alternativa original de investigar uma questão fundamental para a política e para o direito: quais são os limites do poder?
sábado, 24 de setembro de 2016
Palestra Informal na Casa do Prof. Tercio Sampaio Ferraz Jr.
Prezados amigos,
Acabei de achar um vídeo em que discorro sobre Shakespeare e
a Corrupção. Trato de Hamlet e da tetralogia A Henríada. Foi uma
intervenção que fiz no Seminário da Feiticeira (um grupo de debate que ocorre
na casa de praia do professor Tercio Sampaio Ferraz Jr.). Ali, tudo é informal.
Menos, as ideias... Algumas figuras conhecidas aparecem: Nelson Jobim, Celso Lafer
etc. O seminário foi em outubro de 2015: o Brasil estava polarizado. Tentei dar
o meu recado político por meio da arte. Pois, assistam! Abraços!
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domingo, 10 de abril de 2016
10 Teses sobre o Caprichoso Político
Rodrigo Suzuki Cintra
Senti
a necessidade de explicitar o que venho chamando de caprichoso político. Essa figura, ao que me parece, é
característica de nosso modo de navegação social e política e aparece com maior
intensidade nos momentos de crise, em que as oposições em jogo se mostram mais
evidentes. As dez teses a seguir são obviamente complementares e tentam passar
a fisionomia sócio-política deste tipo. Começo pelo pressuposto mais básico de
que não existe capricho sem ideologia e termino concluindo que o caprichoso é
que, no fundo, é corruptor e corrupto. Mas, além disso, talvez seja necessário
uma nota inicial: o verdadeiro caprichoso político se reconhecerá prontamente
nesse texto. É inevitável. Mas, como é próprio de seu modo cínico de relação
com conceitos, talvez ele faça de conta que essas teses não lhe dizem respeito.
Vejam, esse tipo não está acostumado a ser contrariado.
1.
O
caprichoso político opera sempre um discurso de classe.
Sua
fala tem origem específica: parte dos privilegiados para os desafortunados.
Desconhece a legitimidade do lugar de onde se produz um discurso popular. Suas
opiniões têm a pretensão de ser totalizantes – querem englobar toda a
sociedade, evitando ao máximo as verdadeiras oposições sociais em jogo. O
capricho na política é sempre ideológico, portanto.
2.
O
caprichoso político não se interessa por princípios morais.
Na
medida em que sua lógica é de classe, aquilo a que chama de princípio moral não
passa, no fundo, de interesse em causa própria. Produz a contradição própria
dos tempos: uma moralidade de fachada, avessa a uma ética de construção da
cidadania efetiva, está a serviço da estruturação de uma vida política conservadora
e desigual. Trata-se, na verdade, de um modo de se relacionar com a ética
profundamente contraditório, absolutamente interesseiro e imensamente
corrompido e corruptor.
3.
O
caprichoso político é avesso à legalidade.
Ele
seleciona o que interessa e o que não interessa nas leis. Não vê nenhum
problema em usar o direito de um modo meramente instrumental. No fundo, sabe
bem que a lei é passível de interpretação. Mas, o curioso é que em alguns casos
acredita ser desnecessário interpretar. A lei é clara quando o caprichoso quer,
obscura quando o contraria. O capricho não se importa com a coerência:
respeitar o direito é questão de oportunidade e ocasião.
4.
O
caprichoso político é permissivo com a violência.
Ele
não a pratica diretamente. Mas, argumenta e compreende as razões das ações pela
força. Pondera: às vezes, é preciso alguma ordem (violência) para enquadrar os
que não concordam com ele. Ele deixa que outros sujem as mãos, os mais toscos,
os indignados máximos que estão dispostos a tudo, mas não engana: a violência
como forma de ação política é uma de suas mais secretas opções para resolver
crises. Ele é violento, mas preguiçoso e sofisticado demais para efetivar a
força nas ruas. Então, assiste as repressões bárbaras cometidas contra
manifestações públicas legítimas na tela da televisão. E tem um sorriso no
canto da boca quando alguém desce o porrete.
5.
O
caprichoso político se fantasia de povo.
Simula
que seus interesses e problemas são os mesmos que de todos os brasileiros.
Confunde o próprio povo que, vivendo nas maiores dificuldades materiais, pode
acabar pensando que sua pauta política é a mesma do caprichoso. Alia a isso um
nacionalismo absolutamente inverossímil em um país de desigualdades absurdas.
Em uma nação partida em muitas, os outros que não aderem à pátria-nação-unida
são considerados traidores. Como se fossem brasileiros de menos. O povo mesmo,
que vive a lógica da necessidade, não tem, obviamente, a oportunidade de ser
caprichoso.
6.
O
caprichoso político é antidemocrático.
Para
ele, o que chama de povão está correto quando concorda com suas opiniões e está
“cego” quando não participa de sua lógica. A democracia é questão de lado: quem
está afinado com quem. Ou, nos tempos atuais, quem adere ao discurso da moda. O
povo, então, para o caprichoso, é, na verdade, um estranho. Como seria possível
que parcela considerável da população mais carente não participe das vontades
do caprichoso? É claro que ele não entende as razões dos que vêm de baixo. Mas,
não poderia ser diferente: o caprichoso não faz efetivamente parte do povo.
7.
O
caprichoso político é revoltado (mas não com as estruturas iniquas).
Ele é um radical de meia-medida. Obviamente que sua revolta nunca é
verdadeiramente revolucionária, algo que pudesse realmente mudar a ordem da
política nacional. Ele só está interessado na sucessão do poder. Ele quer a
mesma coisa de sempre na política, afinal, no fundo, tudo corre bem
materialmente. A substituição dos governantes é então uma farsa. Os personagens
são os mesmos, a estrutura política é a mesma, a vida social é a mesma.
Trata-se de uma revolta caprichosa então, pelo que aparenta, pois opera de um
modo preciso para que tudo fique sendo a mesma coisa de sempre.
8.
O
caprichoso político finge ser civilizado.
Usa
argumentos. Reflete, inclusive. Mas, quando chega a hora do verdadeiro enfrentamento
de ideias, estimula e compreende a barbárie da força sem hesitar por um segundo.
É comum verificar em seu modus operandi argumentativo
a virulência e o autoritarismo no modo com que conduz o debate público. Sintoma
de um sujeito acostumado em estar por cima nas relações sociais, ele não pode
nunca aparentar fraqueza em suas razões argumentativas. Ele até discute com o
outro, o diferente, mas chega sempre o momento em que perde a paciência e seus
preconceitos mais arraigados afloram. Então, a mulher é diminuída no debate por
ser mulher, o negro por ser negro, o pobre por ser pobre (e, portanto, não
estar entendendo nada), o sujeito de esquerda por ser de esquerda (e, portanto,
ser o que ele considera tendencioso...). O caprichoso não aguenta: tem que
xingar preconceituosamente o outro em sua singularidade mais particular
simplesmente porque é um outro com singularidades particulares...
9.
O
caprichoso político é intolerante.
Quem
discorda do caprichoso, é visto como louco, inconsequente, corrupto, cego. Ele
não compreende a possibilidade real da discordância democrática. O outro, o
diferente, o discordante é tratado não como um opositor de ideias, mas como um
inimigo. E, é claro, os inimigos têm que ser eliminados (mesmo que apenas do
debate), e não aceitos no regime de uma tolerância mais inclusiva. O caprichoso
quer calar todo discurso dissonante. Não tolera certas coisas. Então, vai às
últimas consequências quando sustenta sua posição ideologicamente demarcada.
Xinga, grita, esperneia, às vezes, cospe. Mas, não se enxerga como um
intolerante. Suas razões agressivas são apenas sinais da indignação mais
pretensamente verdadeira. É preciso perceber: ele cospe nos outros, mas não
quer ser excluído do debate tolerante. Não pega bem, e ele preza muito as
aparências.
10. O
caprichoso político é corrupto.
É
preciso inverter o discurso do caprichoso sobre a corrupção. Ele é seu agente
mais frequente, tanto na política quanto no cotidiano. Fingindo ser
incorruptível, o caprichoso corrompe, na verdade, a moral, o direito, a
democracia, a tolerância e a civilidade. Faz um discurso às avessas: tudo que
representa é o oposto da posição verdadeiramente cidadã. O caprichoso se pauta
pela lógica da vontade e do interesse mesquinho, ele não concebe o mundo a
partir de princípios e ideais. Sua volubilidade, suas estratégias relativistas
de argumentação, sua posição política que transparece um discurso de classe, o
tornam avesso ao discurso republicano. Para ele, não há princípios na
moralidade, no direito, na democracia, na tolerância, tudo é questão de
satisfação das vontades imediatistas de quem não gosta e não está acostumado em
ser contrariado. Ele não tem utopias, vive da ditadura do real mais comezinho,
então, seu discurso apesar de ser sempre o do oportunismo, adere as modas de
ocasião com uma facilidade impressionante. Como sabe que a vida política é uma
espécie de vale-tudo em que os mais espertos sobrevivem, ele está sempre do
lado do poder, mesmo quando não percebe. Seu modo de navegação social mais
característico é a lógica dos privilégios de sempre, do tratamento desigual e
hierarquizado dos indivíduos, dos subornos do dia-a-dia, do levar vantagem em
tudo. Trata os indivíduos que considera inferiores socialmente como coisas, mas
quer ser tratado como um rei. Acostumado a fazer birra quando contrariado, o
caprichoso aprendeu a ser autoritário quando o caso é o de impor suas vontades individualistas
de sempre. Inclusive, fazer seus interesses privados se sobreporem às questões
públicas é uma de suas notas mais características. Ele faz isso quando debate
política, faz isso quando vai às ruas e faz isso quando vota. Ele faz isso na
vida cotidiana – seus vícios privados geram benefícios públicos, ele acredita.
No fundo, é preciso não se enganar: é porque existem pessoas como ele, que
existe a corrupção.
Nota Final
O
caprichoso político é birrento, volúvel, relativista, interesseiro,
individualista, contraditório, antidemocrático e como tem a ganância própria da
classe a que pertence, está sempre flertando de maneira oportunista com o
poder. Não está acostumado a não possuí-lo em todas os domínios da vida social.
Assim, ele é extremamente verdadeiro em um sentido particular. Quer ser
representado politicamente, de qualquer modo, seja justo ou injusto, mesmo que
à revelia de qualquer procedimento democrático, mesmo que contra alguns ou
contra todos, mesmo que sustentado pela violência, e isso ele levará às últimas
consequências, custe o que custar!
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sábado, 26 de março de 2016
O Caprichoso e a Crise Política
Talvez
um dos modos de navegação social mais distintivos de nossa vida política seja o
capricho. Essa figura da extravagância, da vontade sem razões precisas, é típica
de contextos arbitrários. Mas, algo não pode ser esquecido quando se trata de
pensar uma política caprichosa: o capricho tem lado, é estruturante de um
discurso de classe e, como bem se pode perceber, não reproduz verdadeiramente a
voz do povo.
O capricho é característico do
discurso ideológico e, portanto, opera na base de um ocultamento das
verdadeiras oposições em jogo.
O caprichoso adere ao discurso de
ocasião, menos por uma posição política particularmente calculada e mais por um
senso de que as coisas políticas não caminham do jeito que ele gostaria. Claro
que não haveria nenhum problema nisso se o que se manifestasse fosse uma
posição crítica, ou mesmo, uma indignação mais verdadeira. O que parece
ocorrer, no entanto, é apenas uma seletividade no que diz respeito ao que se
pode e o que não se pode fazer em termos políticos.
É desse modo que as fronteiras entre
o lícito e o ilícito parecem ser tênues. A judicialização da política é usada
de um modo especialmente contraditória. Com o intuito legítimo de averiguar
denúncias de corrupção, ou seja, ilegalidades inaceitáveis, cometem-se outras
ilegalidades igualmente inaceitáveis.
O problema do caprichoso é que, como
não está interessado em princípios de coerência – o que significa, aqui, o
respeito a totalidade do direito –, ele aceita e propõe que a lei deva ser
aplicada apenas no sentido em que seus interesses políticos sejam satisfeitos,
não se incomodando nem um pouco quando se desrespeita a lei em seu próprio
benefício.
O capricho é, no fundo, avesso à
legalidade, mas se transveste de rituais jurídicos para operar sua indignação
mais profundamente interesseira.
E como o capricho só pode servir à
política a partir de uma dimensão de classe, afinal, só é caprichoso quem não
vive da lógica da necessidade, é preciso cooptar parcela significativa da
população para legitimar um discurso que tem um lugar de origem especifico.
Então, tudo fica mais fácil.
O caprichoso político é um
indignado. Deixa claro: certas coisas, ele não aceita. A corrupção, então, tem
que ser punida custe o que custar. O problema é que o custo não é baixo.
Trata-se de desrespeitar o direito à privacidade, o devido processo legal, a
produção lícita de provas judiciais, premiar os delatores e solapar
prerrogativas constitucionais. Mas, o capricho se propõe como discurso fugidio.
O que se pode fazer politicamente, é o que se quer, o que não interessa
politicamente, é o que pode ser deixado de lado.
A seletividade no que diz respeito a
quais normas jurídicas cumprir é traço propriamente autoritário pois aponta
para a ideia de que, para alguns, a lei deve ser severa, enquanto que para
outros, ela pode ser um pouco mais elástica.
É claro que não temos 200 milhões de
caprichosos no Brasil – se bem que uma das características dessa figura, a
transição tênue entre lícito e ilícito, nos seja muito cara –, mas, como se
trata de discurso ideológico, a verdade é que o interesse mais mesquinho e
individualista de alguns, se mostre a pauta geral de indignação da nação.
O povo, o povo mesmo, está
trabalhando. Pensando em como chegar sem atrasos para o serviço diário. Está
preocupado com uma escola para os filhos. Está com dificuldades para colocar
comida na mesa. Sua pauta política é bem clara.
Mas, o caprichoso finge que seus
problemas são iguais aos do povo. Afinal, somos todos brasileiros. Estamos
todos juntos no mesmo barco. E o discurso nacionalista, que é o discurso que
não exclui ninguém em essência, pode prosperar. O curioso é que o discurso da
nação-pátria-unida se dê justamente em um dos países mais desiguais de todo o
planeta.
O caprichoso quer as coisas a seu
modo. Pensa, inclusive, que tem o direito de pautar o debate de nossa crise
política, afinal, está acostumado com o poder de sempre e se sente muitíssimo
contrariado quando denúncias de corrupção são feitas contra os seus
representantes mais proeminentes.
Não se trata, em todo caso, de
defender um governo absolutamente desastrado como o atual. Pelo menos, não no
sentido de apoio aos desmandos e ilegalidades praticadas no seio da república.
Mas, o que parece ser urgente, é colocar sob regime de suspeita um discurso
ufanista blindado por uma superfície jurídica seletiva e de aparência
democrática.
O
capricho não é apenas contraditório e curioso, ele é perigoso. Antidemocrático
por excelência, o capricho visa, em verdade, a estruturação de uma política
autoritária, com os mesmos personagens de sempre no poder. É preciso evitar o
engano, não se trata de uma substituição completamente radical do que está
presente em nosso espectro político. O caprichoso diz querer o Estado de
Direito, mas está plenamente disposto a esquecer essa ideia se for o caso de se
estabelecer um novo governo para o Brasil. Razão de Estado, estamos em uma
crise que talvez torne necessário, argumenta o caprichoso, subverter algumas
regras de direito para alcançar o que se almeja. Todo o problema, aí, consiste
no fato de que devemos esquecer propriamente o direito para se alcançar os
objetivos de alguns poucos interessados realmente na sucessão pelo poder.
O caprichoso quer ir às ruas como manifestante político legítimo. Veste
uma roupa que, a princípio, nada diz ideologicamente (todo mundo é
brasileiro...) grita xingamentos aos governantes (apesar de ser educado, sempre
se pode chegar ao limite da paciência...) e é escoltado pela própria polícia
que percebe que se trata de um manifestante pacífico, afinal, é evidente que
não se trata de um manifestante revolucionário. Está, inclusive, no meio do
povo. Finge ser exatamente o que não é: inofensivo e democrático. Mas, não
resta dúvida. Quando chegar a hora, abrirá uma boca enorme e cheia de dentes
pronta para morder violentamente o poder.
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domingo, 30 de agosto de 2015
Tradução: Poema de e. e. cummings
“i like my body when it is with your”
e.
e. cummings
i like my body when it is with your
body. It is so quite new a thing.
muscles better and nerves more.
i like your body. i like what it
does,
i like its hows. i like to fell the spine
of your body and its bones,and the trembling
-firm-smooth ness and which I will
again and again and again
kiss, i like kissing this and
that of you
i like,slowly stroking the,shocking fuzz
of your electric fur,and what-is-it comes
over parting flesh….And eyes big love-crumbs,
and possibly I like the thrill
of under me you so quite new
***
“eu gosto de meu corpo
quando está com o teu”
Tradução: Rodrigo Suzuki
Cintra
eu gosto de meu corpo
quando está com o teu
corpo. É uma coisa tão verdadeiramente nova.
músculos melhores e
nervos a mais.
eu gosto do teu
corpo. eu gosto do que ele faz,
eu gosto de teus
comos. eu gosto de sentir a espinha
de teu corpo e os
ossos,e o tremer
-firme-macio samente e
que eu vou
de novo de novo de novo
beijar, eu gosto de beijar isso ou aquilo em você
eu
gosto,vagarosamente de tocar o,choque
dos pêlos
de tua pele elétrica,e o-que-vem
sobre a carne aberta....E olhos migalhas-de-amor,
e possivelmente eu gosto
do tremor
de você sob mim tão novo
sabor
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sábado, 6 de junho de 2015
Tradução: Dois Poemas de Hemingway
Portrait of a Lady
Ernest Hemingway
Now we will say it with a small poem. A poem that will not be good. A
poem that will be easy to laugh away and will not mean anything. A mean poem. A
poem written by a man with a grudge. A poem written by a boy who is envious. A
poem written by someone who used to come to dinner. Not a nice poem. A poem
that does not mention the Sitwells. A poem that has never been in England. A
small poem to hurt ones feelings. A poem in which there are no crows. A poem in
which nobody dies. A small poem that does not say it about love. A poem written
by someone who does not know any better. A poem that is envious. A poem that is
cheap. A poem that is not worth writing. A poem that why are such poems
written. A poem that is it a poem. A poem that we had better write. A poem that
could be better written. A poem. A poem that states something that everybody
knows. A poem that states something that people have not thought of. An
insignificant poem. A poem or not.
Gertrude
Stein was never crazy
Gertrude
Stein was very lazy.
Now that is all over perhaps it made a great difference if it was
something that you cared about.
Retrato
de uma Senhora
Tradução:
Rodrigo Suzuki Cintra
Agora nós vamos dizê-lo
com um pequeno poema. Um poema que não vai ser bom. Um poema que será muito
fácil de rir e que não vai significar nada. Um poema desprezível. Um poema
escrito por um homem com rancor. Um poema escrito por um garoto que é invejoso.
Um poema escrito por alguém que costumava vir para o jantar. Não um poema
agradável. Um poema que não menciona os Sitwells. Um poema que nunca esteve na
Inglaterra. Um pequeno poema para magoar. Um poema em que não há corvos. Um
poema em que ninguém morre. Um pequeno poema que não se refere ao amor. Um
poema escrito por alguém que não sabe ao certo. Um poema que é invejoso. Um
poema que é barato. Um poema que não vale a pena escrever. Um poema porque
esses tipos de poemas são escritos. Um poema que é um poema. Um poema que era
melhor escrever. Um poema que poderia ser melhor escrito. Um poema. Um poema
que declara alguma coisa que todo mundo sabe. Um poema que declara alguma coisa
que as pessoas não haviam pensado. Um poema insignificante. Um poema ou não.
Gertrude Stein nunca foi demente
Gertrude Stein era muito indolente.
Agora que tudo acabou
talvez fizesse uma grande diferença se isso fosse alguma coisa que você se
importasse.
***
[If my Valentine you won’t
be...]
Ernest Hemingway
If my Valentine you won’t be,
I’ll hang myself on your Christmas tree.
[Se
minha Namorada você não quiser se tornar...]
Tradução:
Rodrigo Suzuki Cintra
Se minha Namorada você
não quiser se tornar,
Na sua árvore de Natal,
eu vou me enforcar.
domingo, 10 de maio de 2015
A Importância de ser Infiel ou A Dama do Cachorrinho
Rodrigo Suzuki Cintra
“A sua dama causou-me tamanha
impressão que, apenas a conheci, quis trair minha mulher, sofrer, brigar etc.”
Górki em carta para Tchekhov em 1900.
Uma
história de adultério, na literatura e na vida, virada do avesso, pode ser
também uma história de amor.
Em
poucas obras essa transição entre a simples traição e um verdadeiro amor
aparece de maneira tão instigante quanto no conto A Dama do Cachorrinho de Anton Tchekhov. Há quem divida esse conto
em partes (o próprio autor o fez) e demonstre na estrutura narrativa como uma
paixão de ocasião se transforma no amor de uma vida. É como se Gurov e Ana, os
personagens principais, ficassem desculpados por traírem seus respectivos
cônjuges, pois, no fim das contas, percebem que se amam de verdade. O leitor,
então, também se sente desculpado por torcer pelo sucesso dos encontros
furtivos dos dois: “está tudo certo, afinal, eles se amam!”
De
minha parte, não posso dizer o mesmo. Curto cada etapa do texto: o seu tempo
próprio. Desde o começo do relacionamento, ainda um momento em que a vontade
titubeia, até a certeza de um amor pleno que a vontade não pode negar. E, pior:
aprecio os parágrafos apaixonadamente, e com malícia.
Gosto da maneira como Tchekhov traça em poucas
linhas, em uma ou duas páginas no começo do conto, toda a armação que
sustentará o adultério. E quando sinto prazer em ler essa passagem, não estou
me importando nem um pouco se o caso extraconjugal será legítimo do ponto de
vista amoroso. A questão não se propõe nesses termos para mim. A verdade é que
o autor sabe perfeitamente conduzir o tempo interno da narrativa. E o melhor a
fazer é nos deixar conduzir pelo ritmo do namoro. Tchekhov traça o perfil de
Gurov com tamanha nitidez, com perfeita precisão em breves frases, que torna
fácil para nós compreendermos os motivos que levam o personagem a trair
reiteradas vezes sua esposa.
E quando Tchekhov descreve as
caminhadas a sós, os beijos roubados, os abraços às escondidas e coloca tudo
aquilo em uma cidade que não é a moradia regular dos amantes, enfim, quando
situa tudo com um sabor de férias, é impossível não recordarmos de nosso
próprio passado, de nossas paixões de estação. E ao percebermos a intensidade e
a sinceridade dos encontros secretos dos personagens, lemos tudo aquilo com um
sorriso no canto da boca. Pelo menos eu assim o faço. Tchekhov simplesmente nos
toca, muitas vezes, porque faz lembrar, através de uma literatura sem rodeios e
de estrutura simples, de sentimentos e momentos que nós, leitores, muito bem
podemos reconhecer.
E a
narrativa vai crescendo em emoção de uma maneira nesse conto que é difícil
traduzir. Quanto mais Gurov percebe que está perdidamente apaixonado por Ana, o
que ele não desconfiava que pudesse acontecer dada a sua vasta experiência nos
casos de amor proibido, mais o leitor se comove e participa dos sentimentos do
personagem. Invariavelmente, começamos a torcer por aquele amor que não deveria
efetivamente acontecer. Somos levados, por meio de uma escrita que não só diz
respeito à paixão mas que em si mesma seduz, a desconsiderar os deveres
tradicionais de fidelidade vigentes na estrutura moral da vida social. E então,
absolutamente sinceros, queremos ler naquelas linhas bem traçadas que o amor
pode vencer as convenções.
Talvez
seja justamente quando alcançamos esse ponto, quando estamos já embriagados por
aquela escrita, que uma consideração inevitável, situada mais ou menos no meio
do conto, de consequências devastadoras, sempre que a lemos causa algo de
incomodo. Por que, muitas vezes, o que há de mais importante para nós, o que
existe de mais verdadeiro, o que pode nos traduzir completamente, o que
realmente importa de verdade, tem que ser ocultado em nossas vidas? Por que
escondemos nossos desejos mais sinceros? A vida pulsante que encobrimos
propositalmente é milhares de vezes mais franca, importante e essencial que
nossa existência social regrada, sustentada por aparências e etiquetas dos bons
costumes feitas de pura dissimulação. Isso é uma verdade que qualquer um pode
perceber. Mas, o que fazemos? Persistimos na vidinha sem sobressaltos, na
lógica do fingimento cotidiano, na morte de nossos desejos mais profundos, e
tentamos sustentar, a todo custo, aquilo que os outros esperam de pessoas
sensatas como nós.
Somos apenas coadjuvantes na peça
de teatro de nossas próprias vidas.
Muitos leitores questionam os
desfechos dos contos de Tchekhov. Há algo de anticlímax. Um não-desfecho. É que
depois de ter alcançado às alturas nas breves considerações sobre a natureza
humana, ao relatar os sentimentos do personagem principal de maneira tão
pungente, ficamos a esperar um desfecho igualmente estratosférico. Mas, não é
isso que o autor requer de nós. Seus desfechos são um verdadeiro balde de água
fria. Meio que não sabemos para onde ir. Não sabemos, ao certo, se gostamos ou
não. Mas isso ocorre, é claro, porque o conto não poderia caminhar no mesmo
ritmo até o fim. Uma história desse nível, contada dessa maneira, uma imensa
afronta a nossa tendência de fingir para todos, se continuasse na mesma
cadência até a última frase, certamente nos destruiria. Uma história que nos lembra,
a todo momento, que fingimos para nós mesmos, que não aguentamos levar às
últimas consequências as próprias paixões, sejam elas quais forem. Uma história
que, a bem da verdade, acaba por nos denunciar: já não podemos mais, mas bem
queríamos ter um amor como aquele.
E, no entanto, Tchekhov precisava
terminar de algum modo e sabia muito bem o que estava fazendo. O desfecho do
conto é desconcertante. Menos porque não aponta para uma solução para que o
casal fique junto - Gurov fica se perguntando “como?, como?, como?” -, mas
porque nos lembra, invariavelmente, de nossos amores passados, daqueles casos
que não sabemos ao certo o que foi que realmente aconteceu. As histórias de
amor acabam. Na literatura e na vida. E nem sempre acabam bem resolvidas.
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Tchekhov
domingo, 26 de abril de 2015
Citação do Mês - Abr/2015
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Samuel Beckett
sábado, 25 de abril de 2015
Os Pássaros de Kafka - Parte 2
III – Um voo profundo
Um
abutre estava bicando os meus pés. Já havia despedaçado as minhas botas e as
meias, agora atacava os pés. Bicava-os com ferocidade, circundava-me sem
trégua, e continuava o trabalho.
Franz Kafka, O
Abutre
Não
sabemos nada sobre os motivos que levaram o abutre a bicar violentamente o
narrador. A história já começa com os ataques deste pássaro. Pode ser que o
personagem tenha cometido algum crime contra os deuses, tal qual Prometeu,
condenado por ter roubado o fogo de Zeus e tê-lo entregue aos mortais, a ter o
fígado comido eternamente por uma águia. Porém, em se tratando de Kafka, é bem
possível, talvez quase certo, que o narrador não tenha cometido mal algum. O
abutre simplesmente chegou e começou a bicar, conforme relata o personagem. A
história inteira pode ser resumida em poucas frases. Um abutre que bicava
ferozmente os pés do narrador escuta uma conversa entre esse e um cavalheiro. O
cavalheiro, com a intenção de ajudar o torturado, se propõe a pegar uma
espingarda para matar o abutre. Porém, compreendendo perfeitamente toda a
armação para liquidá-lo, em um último ataque fulminante, o abutre arremessa,
qual lança, o bico pela boca do protagonista.
O
que chama a atenção neste breve conto de Kafka é o ritmo da narrativa, uma
capacidade de contar uma história inteira em poucas linhas e estabelecer uma
quebra com a lógica das imagens surpreendente. Ao longo da narração, somos
levados a imaginar concretamente cenas possíveis, porém, o conto termina com
uma abstração, uma verdadeira negação da imagem e provoca a impressão de que
tudo que podemos fazer é compreender, mas não imaginar.
Podemos
visualizar claramente a figura do abutre a dar voltas pelo céu e investir com
seu bico nos pés do personagem principal. Também a conversa entre o narrador e
o cavalheiro, conversa em que esse promete pegar uma espingarda e liquidar com
o pássaro, pode ser perfeitamente idealizada. Porém a história, em dado
momento, impede a possibilidade de representarmos imageticamente o que nos é
narrado. É possível até imaginar o voo preciso em que o abutre mergulha dentro
da boca do narrador: uma imagem violentíssima. No entanto, as últimas palavras
são decisivas para a avaliação do valor deste texto: Caí para trás, aliviado ao sentir que ele se afogava irreparavelmente
no meu sangue que inundava todos os abismos, cobria todas as praias.
De
maneira surpreendente, o abutre que a princípio parecia que liquidaria o
personagem-narrador, até mesmo porque se arremessa após inclinar-se bem para trás a fim de tomar impulso e
mergulhar como uma lança o bico pela
garganta do personagem, nas últimas linhas do conto, morre afogando-se irreparavelmente. Mas, como imaginar de
maneira efetiva um abutre se afogando sem salvação no sangue dentro de um
homem? Um afogamento em que o sangue deste homem inundava todos os abismos, cobria todas as praias.
Kafka,
ao fim de seu conto, na última sentença, inverte a lógica estabelecida durante
toda a narrativa. Não só porque nos nega brilhantemente a possibilidade de
compreendermos e representarmos o desfecho final por meio de imagens, mas
porque inverte a lógica da violência, estabelecendo no sangue, por dentro do
homem, a possibilidade de destruição daquilo que o atacava. Existe aqui uma
verdadeira fusão da corporalidade. O inimigo externo, o abutre, se infiltra por
dentro do homem após penetrar em voo rápido e certeiro pela boca do narrador.
Torturador e torturado identificam-se, ao fim da história, corporalmente, no
limite do próprio sangue, e, talvez somente assim, possam compartilhar do mesmo
implacável destino.
O
personagem-narrador sente-se, de algum modo, aliviado. Ninguém mais lhe bica os
pés. O abutre se afogou irreparavelmente
dentro de seu sangue. A história, então, pode
terminar abruptamente. Mas é claro que, dentro da estrutura narrativa montada
por Kafka, a morte do abutre não significa a vida do narrador.
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